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“Eu vim do planeta fome” (Soares, Elza)

A mulher do fim do mundo, Elza Soares é o exemplo do quanto o racismo por ser cruel em todas instâncias, sua vida foi marcada por tragédias e momentos com bastante reviravoltas. Nascida no dia 23 de junho de 1930, na Zona Oeste carioca, na favela da Vila Vintém,  Elza Gomes Conceição era filha de um operário Avelino Gomes com a lavadeira Rosária Maria da Conceição. Seu interesse pela música veio na influencia de seu pai. Através do canto e o violão, Elza deu os seus primeiros passos como artista. Apesar disso, ao completar 12 anos, teve sua infância interrompida por um súbito casamento, obrigado por esse mesmo pai que a influenciava na música..

Elza iniciou-se sua carreira enquanto trabalhava como encaixotadora na fábrica de sabão português, no bairro de Engenho de Dentro, em 1953, no programa de calouros do famoso compositor brasileiro Ary Barroso, na antiga Rádio Tupi, onde se destacou ao ficar em primeiro lugar. Ainda no início de sua carreira, no ano de 1960,  trabalhou na Orquestra Garam Bailes, cantou no Festival Nacional de Bossa Nova, foi também representante artística do Brasil na Copa do Mundo no Chile em que a seleção brasileira alcançou o bicampeonato. 

Da sua primeira relação amorosa com Lourdes Antônio Soares, Elza teve seu primogênito João Carlos, que veio a falecer aos 15 anos por complicações de saúde. O drama a assolou mais uma vez com a perda do seu segundo filho com Lourdes. A cantora conhecida por sua voz grave tinha uma vida de muita luta e perdas. Seu marido acaba sendo morto brutalmente e, aos 21 anos, a cantora torna-se viúva.

No Chile, quando foi como representante do Brasil na Copa de 1962, Elza conheceu o famoso jogador Garrincha, com quem teve uma relação bem conturbada e bastante questionada pelo fato dele ser um homem casado. A imprensa da época transferiu toda responsabilidade do relacionamento extraconjugal à cantora, transformando-a na vilã da história, em uma sociedade conservadora. Depois de muitas especulações, Garrincha se casou com Elza e, dessa relação de dezessete anos, nasceu Júnior que também veio a falecer em um acidente de carro em 1986. Durante o casamento, sofreu inúmeras violências físicas e psicológicas do jogador, que tinha graves problemas com o vício da bebida, no entanto nunca as denunciou. No ano de 2015, Elza nos apresenta a   canção Vila da Matilde, que reproduz muito de sua própria história de violência doméstica:

“Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim

Mão, cheia de dedo

Dedo, cheio de unha suja

E pra cima de mim? Pra cima de moa? Jamé, mané!”

Elza foi conhecida por muitos sucessos, como: Dentro de cada um, Exú nas escolas, Deus há de ser, A Carne, entre outros. Por conta de todos esses anos de trabalho e de um talento esplendoroso, no ano 2000, a BBC de Londres nomeou Elza soares como a melhor cantora do universo.

Em seu álbum denominado “A mulher do fim do mundo”, o que Elza nos apresenta é, na verdade, anos de sofrimento registrado, um manifesto autobiográfico. A obra fez-se importante da vida de muitas mulheres que reconhecem ali seus traumas. Suas músicas inspiraram muitos movimentos feministas e antirracistas. Também no ano de 2020, foi homenageada por sua escola de samba de coração l, a Mocidade Independente de Padre Miguel, com o samba-enredo “Elza Deusa Soares”. Aos 87 anos, Elza Soares é uma mulher que passou por um mundo de sofrimento e reviravoltas encarou: fome, pobreza, um casamento prematuro, quando ainda criança, perseguição, perda de quatro de sete filhos, racismo, violência doméstica... Como ela mesma se autodenomina: uma sobrevivente.

“senhoras e senhores, vocês estão diante de uma sobrevivente”.