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Sonho- por Maria Beatriz Nascimento 

Seu nome era dor

Seu sorriso

dilaceração

Seus braços e pernas, asas

Seu sexo seu escudo

Sua mente libertação

Nada satisfaz seu impulso

De mergulhar em prazer

Contra todas as correntes

Em uma só correnteza

Quem faz rolar quem tu és?

Mulher!…

Solitária e sólida

Envolvente e desafiante

Quem te impede de gritar

Do fundo de sua garganta

Único brado que alcança

Que te delimita

Mulher!

Marca de mito embotável

Mistério que a tudo anuncia

E que se expõe dia-a-dia

Quando deverias estar resguardada

Seu ritus de alegria

Seus véus entrecruzados de velharias

Da inóspita tradição irradias

Mulher!

Há corte e cortes profundos

Em sua pele em seu pelo

Há sulcos em sua face

Que são caminhos do mundo

São mapas indecifráveis

Em cartografia antiga

Precisas de um pirata

De boa pirataria

Que te arranques da selvageria

E te coloque, mais uma vez,

Diante do mundo

Mulher.

Maria Beatriz Nascimento era uma mulher negra, historiadora, professora, poeta, intelectual e ativista pelos direitos humanos, uma referência nos direitos do povo negro. A intelectual nasceu no dia 17 de julho de 1942 em Sergipe, sua mãe era doméstica, Rubina Pereira Nascimento, e seu pai, Francisco Xavier. A família se mudou para a favela de Cordovil na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro no ano de 1950.

Sua carreira acadêmica e ativista iniciou-se no ano de 1971, ao ingressar na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aos 28 anos de idade, no curso de História. Fez pós-graduação na Universidade Federal Fluminense, instituição onde ajudou a criar o grupo de estudos André Rebouças que incentivava as discussões e estudos sobre as questões raciais fazendo um paralelo com o ensino. Teve como tema de dissertação “Sistemas alternativos organizados pelos negros: dos quilombos às favelas”. Além disso, foi professora da rede estadual pública de ensino no Rio de Janeiro. Os estudos de Maria Beatriz Nascimento foram essenciais para o incentivo às discussões sobre o silenciamento da intelectualidade negra brasileira.

Uma de suas maiores obras é o filme “Ó ri” que começou a ser produzido do ano de 1977, dirigido por  Raquel Gerber, que tem como proposta o registro do Congresso dos Povos de Origem Africana, organizado em São Paulo. Este congresso teve o propósito de instigar pesquisas acadêmicas sobre povos africanos e diaspóricos fazendo uma relação entre o Brasil e o continente africano pelos movimentos negros (1977-1988). O longa é dividido por núcleos temático: rituais religiosos, formas de expressão cultura, raízes étnicas e lutas históricas.

Beatriz Nascimento foi uma grande influência nos estudos étnicos-raciais e no ativismo político, escrevendo sobre o papel das mulheres negras no Brasil e a luta pela sobrevivência dessas mulheres que lidavam com do machismo e, simultaneamente, com o racismo. Seus artigos foram publicados em vários periódicos, como Revista de Cultura Vozes, Estudos Afro-Asiáticos e Revista do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional, etc.

No ano 1995, Beatriz cursava mestrado em comunicação social na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em janeiro do mesmo ano, a intelectual foi brutalmente assassinada ao defender um amiga de seu companheiro violento. Maria Beatriz Nascimento foi um exemplo de  profissional e ser humano responsável por trazer novas abordagens aos estudos racializados.

Pesquisa, texto e narração: Larissa Nobre

Coordenação do projeto: Jacqueline Ventapane

Abertura: Leonardo Pereira

Apoio: AUDIOLAB/UERJ