Hoje, a liturgia apresenta-nos os paramentos vermelhos.
Estamos no Tempo Comum… mas hoje, vigésimo quarto domingo, a cor é vermelha porque celebramos também a festa da Exaltação da Santa Cruz.
Em Braga, este nome soa-nos familiar. Logo pensamos na Igreja de Santa Cruz.
Mas eu gostava que olhássemos para a cruz não apenas como um nome ou um sinal externo, mas no seu sentido mais profundo: vivencial, existencial.
A cruz revela algo de cada um de nós.
Diz o Senhor:
«Ninguém subiu ao Céu senão aquele que desceu do Céu, o Filho do Homem».
Ninguém é salvo sem a oferta de salvação que Deus quis dar.
Não é mérito das nossas boas obras… é dom.
Um dom que Deus nos oferece, entregando-se por nós no seu Filho.
Na cruz, Cristo liberta-nos, cura-nos, transforma-nos.
A segunda leitura é clara e belíssima:
Cristo, sendo de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus.
Antes, humilhou-Se.
Assumiu a condição de servo, tornando-Se semelhante a nós.
Este movimento de Deus é de uma beleza imensa:
Ele não rejeita aquilo que somos.
Assume-nos, para nos salvar.
Na primeira leitura, do Livro dos Números, ouvimos uma história muito significativa.
O povo, a caminho da Terra Prometida, começou a desesperar.
«Porque nos tiraste do Egito? Para morrermos neste deserto?».
E murmuravam contra Deus e contra Moisés.
Então o Senhor enviou serpentes venenosas, e muitos morreram.
Mas, na verdade, o veneno já tinha começado antes…
quando o povo se deixou dominar pelo desespero e pela murmuração.
Quantas vezes também nós deixamos escapar palavras que parecem apenas desabafos,
mas que envenenam o nosso coração
e o coração de quem nos ouve.
O povo reconheceu o pecado e pediu a Moisés:
«Intercede por nós».
E o Senhor disse:
«Faz uma serpente de bronze e coloca-a sobre um poste.
Quem for mordido e olhar para ela, ficará curado».
É interessante: a serpente, sinal de condenação, torna-se aqui sinal de cura.
Ainda hoje, em símbolos de farmácia e de medicina, aparece a serpente erguida num bastão.
Também nós, muitas vezes, usamos um crucifixo ao pescoço, no carro, em casa.
Mas atenção: o crucifixo não é um amuleto para dar sorte.
É o sinal do remédio que Deus nos oferece.
Olhar para a cruz não é magia.
É conversão.
É mudar o olhar.
É deixar que Cristo cure o nosso coração.
Assim como a serpente suspensa no deserto foi remédio de vida para os mordidos,
Cristo suspenso na cruz é remédio de salvação para todos os que acreditam.
Não precisamos fingir ser outros para que Deus nos ame.
É como somos — com fragilidades e feridas — que Ele nos quer salvar.
A grande pergunta é:
Será que eu gosto de mim o suficiente para acreditar que Deus também gosta de mim?
Será que eu confio que o amor de Deus é maior do que as minhas fragilidades?
É no nosso lugar concreto, no tempo em que vivemos, que o Senhor nos escolhe e nos salva.
Cada um de nós tem sombras, sim… mas também tem luzes.
Cristo assumiu tudo isso.
Assumiu a nossa condição, para levar luz aos lugares mais tristes e sombrios da nossa vida.
Por isso, hoje somos chamados a converter-nos.
A olhar para Cristo suspenso na cruz.
Não como quem olha apenas para uma morte horrível,
mas como quem contempla o sinal do amor levado até ao extremo.
O crucifixo mostra-nos o quanto Deus nos ama.
Mostra-nos que, apesar das nossas infidelidades, Ele nunca deixa de nos querer salvar.
Por isso, cada crucifixo que temos — na igreja, em casa, connosco —
não é um talismã, mas um sinal do amor de Deus.
Ao olharmos para ele, voltamos o coração para Cristo
e encontramos n’Ele a cura e a salvação da nossa vida.