Ao celebrarmos hoje a dedicação da Basílica de Latrão, não estamos apenas a recordar um monumento magnífico em Roma. Celebramos sobretudo a Igreja como casa onde o Sucessor de Pedro preside na caridade a todas as comunidades cristãs. A festa convida-nos a perguntar o que significa ser Igreja, viver da sua vida, das suas águas, da graça que dela brota.
A primeira leitura apresenta-nos a imagem de uma torrente que sai do templo e que, onde chega, faz nascer vida. Onde esta água passa, tudo ganha frescura, tudo se cura, tudo vive. Esta água representa a graça de Deus, recebida no Batismo. A primeira questão é simples: esta água dá vida em nós? Vivemos a partir da graça recebida? O nosso Batismo faz nascer esperança, alegria, paciência, reconciliação? Ou fica tudo fechado dentro do templo e não transborda para a vida real?
Porque o texto é claro: a água não fica dentro das paredes. Corre até ao mar, até aos lugares mais estéreis, para que aí também surja vida. Assim também nós: fomos batizados na Igreja, mas vivemos no mundo. Família, trabalho, amizades, responsabilidades. É aí que a água viva deve correr: não para fazermos mais barulho religioso, mas para darmos frutos. São Paulo lembra-nos que os frutos do Espírito são alegria, sabedoria, conselho, paz, justiça. O mundo tem direito a ver estes frutos. E nós precisamos deles para viver com mais verdade e serenidade.
A segunda leitura diz: “Vós sois edifício de Deus”. A Igreja não é apenas um espaço, é uma comunidade de pedras vivas. Cada um de nós é parte deste templo. Não o construímos segundo o nosso projeto individual, mas alicerçados em Cristo. O Espírito habita em nós e faz de nós casa de Deus. A vida cristã não se reduz ao que fazemos no templo, mas ao modo como vivemos como corpo de Cristo no quotidiano.
O Evangelho mostra Jesus a expulsar os vendedores do templo. Não o faz por violência gratuita, mas para lembrar a finalidade verdadeira do lugar santo: ali encontra-se a presença de Deus que dá vida, não uma religião de aparência ou comércio espiritual. É legítimo perguntarmo-nos: quando venho à Eucaristia, venho para me alimentar da água viva que dá sentido à vida? Ou venho simplesmente “cumprir um preceito”, para aliviar a consciência?
Se a missa for só um rito que faço sem ligação ao que vivo, então é pouco. Mas se a Eucaristia for o ponto de partidapara um modo de viver mais humano, mais reconciliado, mais atento, então participar nela vale tudo. Porque aqui aprendemos a gramática do Reino: acolher, perdoar, servir, amar, viver com esperança.
Hoje, Jesus convida-nos a purificar o templo. Não tanto estas paredes, mas o templo que somos nós. Deixar que a graça lave aquilo que endureceu, cure o que está ferido, abra espaço para que a água circule. A Eucaristia que celebramos é fonte viva: dela nasce um modo novo de estar na vida.
Peçamos, então, a graça de viver como pedras vivas, como quem deixa a água de Deus correr, transformar e fecundar. Que o mundo reconheça, através de nós, que o templo de Deus está vivo, habitado, em movimento, levando vida onde a vida falta.