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TRANSCRIÇÃO: 

Várias pessoas me têm perguntado sobre o papel dos psicólogos nesta crise.  O papel deles é claro, devemos ser os portadores da esperança. Mas não basta representar um papel puramente exterior se não estivermos deveras convencidos disso, e isso só se consegue se nos ligarmos às fontes profundas da vida que corre nas nossas veias. Não bastam os discursos mais ou menos bem produzidos e as palavras bem articuladas, é preciso que elas brotem do coração de quem as diz. A quem já tenho dito isto, de imediato me responde: “está bem, mas tu és uma pessoa de fé e a tua fé cristã favorece esse teu discurso, e os outros?” Contudo esse argumento não colhe pois a certeza do coração poderá ter a ver com a fé religiosa mas não depende exclusivamente dela. É neste ponto que a perspetiva junguiana pode ser de valia, pois o convívio com esse mais que se chama “inconsciente” demonstra que o que nós somos não se resume à consciência. Somos uma vastidão incomensurável, um território menos explorado do que a superfície da lua ou a profundidade dos oceanos. Mas dessa profundidade de nós mesmos, deste inconsciente que de nós também faz parte, brotam as sementes do futuro. Com efeito, o inconsciente é sempre prospetivo, as suas produções apontam para um fim último, um porvir que nos deve implicar não como crentes, ateus ou agnósticos mas como raça humana única, unificada nesta configuração que nos irmana na esperança, na dor, na luta e na conquista de futuros melhores, para nós e para os nossos; e todos são nossos pois somos todos membros da mesma espécie humana. Deverá ser na profundidade de nós mesmos, na profundidade comum da espécie humana que devemos encontrar as sementes da esperança, e elas abundam para quem as procurar. Nisso, os psicólogos da profundidade estão em vantagem sobre todos os outros, inclusive sobre todos os sacerdotes e sacerdócios que se fundamentam porventura numa certeza externa, transcendente.  Como os místicos de todos os tempos nos demonstraram, é na imanência, no mais profundo de nós mesmos que encontramos o Sentido das coisas. Façamos, pois, a nossa parte nesta ‘peregrinação interior’. 

João Carlos Major 24-03-2020