O que uma reflexão sobre o determinismo fala sobre nós, seres humanos? Como ela pode nos ajudar a pensar o mundo da Inteligência Artificial? O que ela pode falar sobre a realidade? Até que ponto somos capazes de criar, imaginar e reinventar quem somos?
O determinismo, doutrina que dialoga diretamente com o fatalismo e a pré-destinação, marcou profundamente a ciência moderna. Ela parte da ideia de que tudo no universo segue uma cadeia inevitável de causas e efeitos. Em Bacon, Descartes e Newton, o mundo se tornou uma máquina previsível. Na formação do pensamento ocidental, essa visão extrapolou a física e invadiu as ciências humanas: por um momento, o ser humano passou a ser explicado por fatores biológicos, raciais e geográficos, como se cultura, comportamento e inteligência fossem produtos automáticos da natureza.
Mas o século XX abalou esse edifício. O mesmo campo da física, com a Teoria do Caos e a Mecânica Quântica, mostrou que sistemas deterministas, mesmo regido por leis naturais e universais, podem ser imprevisíveis.
E é nesse contexto que emergem Boas, na antropologia, e Freud, na psicanálise, cada um reagindo ao determinismo em seu território. Boas rompeu com a ideia de que a cultura é produzida pela biologia ou pelo meio ambiente; mostrou que cada sociedade inventa suas próprias formas de viver e significar o mundo. Freud, ao introduzir o conceito de inconsciente, recusou a ideia de que a psique humana é apenas um reflexo de impulsos neurofisiológicos: somos atravessados por linguagem, desejo, memória.
Ambos devolveram ao humano aquilo que o determinismo queria retirar: complexidade, simbolização, criatividade. Em resumo: sua própria humanidade.
Mas há uma outra provocação que hoje se impõe com força: o quanto o determlinismo nos ajuda a pensar a relação do ser humano com o mundo de IA e robótica? Se acreditarmos que o ser humano é apenas um conjunto de reações neurológicas e comportamentos previsíveis, então máquinas suficientemente sofisticadas podem não só imitar, mas substituir aspectos centrais da experiência humana. Por outro lado, se reconhecemos que há no humano algo que escapa — capacidade simbólica, criação de sentido, liberdade interpretativa, afetos e emoções — então compreender os limites do determinismo é essencial para diferenciar o que pode ser automatizado daquilo que constitui a nossa singularidade mais profunda.
No fim das contas, pensar determinismo é pensar aquilo que nos faz humanos. Entre as forças que nos moldam e as possibilidades que criamos, existe um espaço de liberdade e imaginação. E é justamente esse espaço que precisamos proteger enquanto o futuro da IA avança — porque é nele que mora tudo aquilo que nenhuma máquina, por mais sofisticada, será capaz de substituir.