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O Menino que Carregava Água na Peneira por Ludmila Guimarães.

"Tenho um livro sobre águas e meninos

Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira

Era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele

para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água

O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do

que do cheio.

Falava que os vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito

Porque gostava de carregar água na peneira

Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que

carregar água na peneira.

No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de interromper o voo de um pássaro botando

ponto no final da frase.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor!

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho, você vai ser poeta.

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios com as suas peraltagens.

E algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos."

Autor: Manoel de Barros

Livro: Exercícios de ser criança, publicado em 1999.