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Pátria Minha por Odilon Esteves.

A minha pátria é como se não fosse, é íntima 

Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo 

É minha pátria. Por isso, no exílio 

Assistindo dormir meu filho 

Choro de saudades de minha pátria. 



Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi: 

Não sei. De fato, não sei 

Como, por que e quando a minha pátria 

Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água 

Que elaboram e liquefazem a minha mágoa 

Em longas lágrimas amargas. 



Vontade de beijar os olhos de minha pátria 

De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... 

Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias 

De minha pátria, de minha pátria sem sapatos 

E sem meias, pátria minha 

Tão pobrinha! 



Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho 

Pátria, eu semente que nasci do vento 

Eu que não vou e não venho, eu que permaneço 

Em contato com a dor do tempo, eu elemento 

De ligação entre a ação e o pensamento 

Eu fio invisível no espaço de todo adeus 

Eu, o sem Deus! 



Tenho-te no entanto em mim como um gemido 

De flor; tenho-te como um amor morrido 

A quem se jurou; tenho-te como uma fé 

Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito 

Nesta sala estrangeira com lareira 

E sem pé-direito. 



Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra 

Quando tudo passou a ser infinito e nada terra 

E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu 

Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz 

À espera de ver surgir a Cruz do Sul 

Que eu sabia, mas amanheceu... 



Fonte de mel, bicho triste, pátria minha 

Amada, idolatrada, salve, salve! 

Que mais doce esperança acorrentada 

O não poder dizer-te: aguarda... 

Não tardo! 



Quero rever-te, pátria minha, e para 

Rever-te me esqueci de tudo 

Fui cego, estropiado, surdo, mudo 

Vi minha humilde morte cara a cara 

Rasguei poemas, mulheres, horizontes 

Fiquei simples, sem fontes. 



Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta 

Lábaro não; a minha pátria é desolação 

De caminhos, a minha pátria é terra sedenta 

E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular 

Que bebe nuvem, come terra 

E urina mar. 



Mais do que a mais garrida a minha pátria tem 

Uma quentura, um querer bem, um bem 

Um libertas quae sera tamen 

Que um dia traduzi num exame escrito: 

"Liberta que serás também" 

E repito! 



Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa 

Que brinca em teus cabelos e te alisa 

Pátria minha, e perfuma o teu chão... 

Que vontade me vem de adormecer-me 

Entre teus doces montes, pátria minha 

Atento à fome em tuas entranhas 

E ao batuque em teu coração. 



Não te direi o nome, pátria minha 

Teu nome é pátria amada, é patriazinha 

Não rima com mãe gentil 

Vives em mim como uma filha, que és 

Uma ilha de ternura: a Ilha 

Brasil, talvez. 



Agora chamarei a amiga cotovia 

E pedirei que peça ao rouxinol do dia 

Que peça ao sabiá 

Para levar-te presto este avigrama: 

"Pátria minha, saudades de quem te ama… 

Vinicius de Moraes."

Autor: Vinicius de Moraes.

Assista este poema narrado pelo Odilon Esteves também no Youtube pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=bttERoftXxA