A Releitura compartilha mais uma edição da série Drops Literários. Neste episódio vamos escutar o áudio que veio lá da Colômbia e foi enviado pela escritora Diana Isabel Pizarro que é leitora da Parque Biblioteca José Horacio Betancur, de San Antonio de prado, em Medelín. Diana enviou para nossa equipe o poema Las dos Fieras que Soy, do livro Ojos de Gata.
Livro: Ojos de gata
Poema: Las dos fieras que soy
Autora: Diana Isabel Pizarro
Tradução: Rafael Andrade
É temporada de tempestades
dentro de mim
habitando seres
de natureza dissonantes.
Uma delas é uma gata de cidade
que caminha em salto alto entre os edifícios.
Uma menina de cabelo escovado
planejando caças eruditas
nos livros de uma biblioteca
ou emboscadas de papel a plena luz.
Uma gata politicamente silenciosa
e socialmente doméstica,
treinada para não fugir
de seu sótão de classe média.
Uma menina estéril
que não arranha as paredes
que toma leite quente
e come atum em lata.
Uma gata dócil que dorme
em sofá de tafetá
à espera da chegada da morte
em sua rotina sonolenta.
A outra criatura é uma felina no cio
que se esgueira pelos becos
e mia para a Luna sobre os telhados.
Uma gata carnívora devorando sua presa
caçada na escuridão
com garras afiadas
como uma pluma de escriba.
Uma felina negra com olhos de mel e fogo
que não pertence a nenhum lugar
Entretanto,
insone assiste todas as latitudes.
Uma gata sobrevivente de fogueiras medievais,
aprendiz de feiticeira
y encarnação do milagre feminino.
Uma felina ágil e fecunda
esperando pela morte
em uma curva escura
para surpreendê-la com um golpe.
Às vezes a gata citadina morde
o mundo com talheres
enquanto a gata incivil
lambe seus bigodes
quentes de Carmesim.
A menina urbana que sou em ocasiões
tem boa ortografía
e escrevo versos rosa.
A felina arisca que sou em outros dias
exorciza seus demônios
em poemas descarnados.
Uma gata que cheira a Chanel,
a outra a suor de dança debaixo da chuva.
Uma felina é Eros, a outra Tânatos.
Uma está cheia de terra, a outra de vento.
Uma habita o hemisfério esquerdo dos meus miolos,
a outra o lado direito do músculo cardíaco.
Às vezes as duas gatas que vivem em mim
se cruzam por acidente
e brotam faíscas.
Cada gata desejando apoderar-se
dos domínios da outra.
Cada gata territorial
querendo ser meu único eu.
É temporada de tempestades
quando as gatas que sou
fazem-se como uma bola de lã
e rolam pelo corredor frio
que comunicam minha alma ao meu cérebro
consigo por alquímicos instantes,
por fragmentos de sagrado
por segundos imortais
ser uma mulher completa.