Livro do Gênesis 3,1-8
[1] A serpente era o mais astuto de todos os animais
dos campos que o Senhor Deus tinha feito.
Ela disse à mulher: É verdade que Deus vos disse:
'Não comereis de nenhuma das árvores do jardim?
[2] E a mulher respondeu à serpente: Do fruto das
árvores do jardim, nós podemos comer.
[3] Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim,
Deus nos disse: Não comais dele nem sequer o toqueis,
do contrário, morrereis.
[4] A serpente disse à mulher: Não, vós não morrereis.
[5] Mas Deus sabe que no dia em que dele comerdes,
vossos olhos se abrirão e vós sereis como Deus,
conhecendo o bem e o mal.
[6] A mulher viu que seria bom comer da árvore,
pois era atraente para os olhos e desejável para
obter conhecimento.
E colheu um fruto, comeu e deu também ao marido,
que estava com ela, e ele comeu.
[7] Então, os olhos dos dois se abriram; e, vendo que
estavam nus, teceram tangas para si
com folhas de figueira.
[8] Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava
pelo jardim à brisa da tarde, Adão e sua mulher
esconderam-se do Senhor Deus no meio
das árvores do jardim.
Palavra do Senhor.
REFLEXÃO
O homem, desde as suas origens, aspira ao paraíso.
Mas também se deixa envolver pelo mal,
como verificamos neste relato, onde aparece uma
personagem astuta e inquietante: a serpente.
Na tradição sucessiva, tanto hebraica como cristã,
a serpente do Gênesis tornar-se-á figura do diabo,
do maligno.
Mas no antigo Oriente, a serpente era, sobretudo,
símbolo da fertilidade sexual e da saúde.
Anda hoje, entre nós, a serpente é
símbolo da farmacêutica.
A Bíblia desmitiza completamente a serpente ao
apresentá-la como animal selvagem,
semelhante aos outros.
Na verdade, a serpente não pode fazer o bem nem o mal.
Só o homem e a mulher os podem fazer.
Portanto, a serpente no paraíso não explica
a origem do mal.
É mais um recurso literário para introduzir a dinâmica
sedutora que está na origem do pecado humano.
É o homem e é a mulher que pecam.
O animal que fala, seja a serpente, seja a burra de
Balaão, é um recurso narrativo para descrever o que
se passa na mente dos protagonistas da história.
O homem e a mulher dialogam no íntimo de si mesmos
sobre o teor da proibição divina e sobre a sua
verdadeira motivação.
Com grande perspicácia psicológica, o autor bíblico
diz-nos que o pecado, antes de ser um gesto, um ato,
acontece na consciência, por meio de uma dúvida que
nela se insinua acerca da bondade do Criador.
Não se trata, portanto, de explicar a origem do mal no
mundo, mas a origem e a dinâmica do pecado humano,
como um processo sutil e progressivo de desobediência
à palavra de Deus.
É verdade que, neste processo, podem intervir fatores
externos e causas sobre-humanas.
Mas o autor quer acentuar, sobretudo,
a responsabilidade do homem-mulher.
Falamos de pecado original porque ele nos descreve a
origem de todo o pecado.