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O processo de individuação, definitivamente, não é conhecer o eu. Conceber a ideia de si-mesmo (self) e aspirar a pretensão de seguir pelo seu caminho dilacera a pergunta “quem sou eu?”, no sentido do indivíduo querer encontrar uma única personalidade em si; contudo, cria a possibilidade de reconhecer sua humanidade e mortalidade em si e diferenciar-se das outras personalidades do inconsciente, divinas, imortais, tornando o eu mais consciente, diferenciado e autônomo. É um belo paradoxo: quanto mais personalidades o eu reconhecer, mais ele aproxima-se do si mesmo (self) e se torna o eu. Por isso mesmo, este processo não é rumo à perfeição, mas à completude. Essa é um grande norte de quando pensamos: o que é psicologia analítica?

Ainda sobre à completude, seria melhor, então, não afirmar a existência de um único caminho para o si mesmo (self), mas múltiplos: uns construídos com tijolos de ouro; outros de terra; outros de nuvens; outros feitos da podridão e excrementos. Ao mesmo tempo, este processo não deve ser pensado somente como caminhos ou estradas, mas também como personalidades co-habitantes do si mesmo (self).

Vale lembrar que o papel do eu no processo de reconhecer as outras personalidades não é inteiramente ativo/lógico, mas tende à passividade/ilógica. O equívoco gerado por um eu que imagina se dá na falta de entendimento da palavra "imaginação" ou "fantasiar". O eu não é sujeito do verbo imaginar ou fantasiar. O eu é também imaginado. Quem, então, imagina? A psique total. Podemos pensar de outra forma também: se a atenção é o estado de vigília do mundo de fora; a imaginação é o estado de vigília do mundo de dentro. Em ambos os casos, estamos diminuindo a luz dos títulos acadêmicos, das profissões, dos status sociais para deixar vir aquilo proveniente das sombras.

É demasiadamente importante ter somente imaginação e não atenção. A atenção é crítica, julgadora, condenadora. É, em síntese, um entrave à imaginação. Já a imaginação é criar um vazio na consciência. É como entrar em um quarto escuro logo após de sair de uma sala iluminada. No começo, julgamos não haver nada devido à escuridão do local, mas em minutos e talvez horas, nossas pupilas dilatam-se e começamos a enxergar os vultos, os contornos, etc.

Como possuímos uma determinada quantidade de energia psíquica. Se estivermos na dinâmica da atenção crítica, a energia fluirá para a própria atenção, e não para a imaginação. A energia psíquica não pode ser apreendida, senão numa forma determinada. O mesmo ocorre com às imagens da fantasia. Só podemos permitirmo-nos ao inconsciente, deixando a energia psíquica fluir para as imagens da fantasia que lhes correspondem.

Por isso mesmo, inicialmente, o eu não passa de um espectador, de uma testemunha, de alguém sentado esperando o metrô chegar. Daí, surgem os outros: “Agora, quando você vê essas imagens, agarre-se a elas e veja para onde elas a levam - como elas mudam. E tente entrar você mesma na imagem tornar-se um dos atores. Quando comecei a fazer isso, eu via paisagens. Então aprendi a colocar-me dentro da paisagem, e as figuras [outras personalidades] conversavam comigo, e eu lhes respondia” (C. G. Jung, Livros Negros).

O essencial, é bom repetir, não é a interpretação e compreensão das fantasias, mas a vivência que lhes corresponde” (C. G. Jung, O Eu e o Inconsciente). Podemos conferir essa trajetória do autor nos Livros Negros e no Liber Novus. Estes, não são um talento artístico de Jung ou a empreitada de um gênio ou qualquer coisa do tipo, mas o seu processo psíquico, que todos nós deveríamos também experimentar para seguir pelo caminho da individuação.

“A tarefa da individuação [está] no estabelecimento de um diálogo com figuras da fantasia”. (C. G. Jung, Livros Negros).