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Minha relação com o Instagram é problemática desde o começo. Já deletei, voltei, apaguei tudo, recomecei… Mas não adianta, sigo achando a pior das redes sociais. É a que tem mais potencial de escravizar o usuário naquilo que é mais superficial, irrelevante. E isso acontece por duas vertentes. A primeira diz respeito ao próprio conteúdo, que é particular, pessoal, mas quase nunca original, pois há uma cartilha implícita que dita o que é legal e o que não é rentável postar. Não é necessário especificar as abordagens, basta que elas sigam a tríade beleza, felicidade e atividade. Quando você não conseguir parecer muito bonito, pareça muito feliz, ou muito ocupado — festas, eventos, viagens. Caso consiga reunir tudo num mesmo post, voilà! Caso não tenha nada de agora para postar, bem… É preciso estar sempre pronto, sempre preparado para mostrar ao mundo que se tem uma vida plena, bem-sucedida, feliz a todo momento… Então, faça-se o TBT! E depois só o TB, porque só a quinta é insuficiente para esbanjar a própria bem-aventurança. Depois de comprometida a originalidade, é hora de ficar refém da atualização de status do que postou. Você não consegue pensar que pode olhar o celular só dali um tempo, é preciso checar as curtidas e respostas segundo a segundo. Amigos do trabalho, que tinham outro amigo em comum, me contaram que este último apagava suas fotos que não atingiam uma média determinada de likes. É chocante! Desde quando uma foto em rede social passou a ser indicativo de fracasso?! Ou pior, de sucesso?! Morrer de selfie não é só despencar de uma varanda pela foto perfeita. Morrer de selfie é, principalmente, desperdiçar tanto tempo da realidade imediata para consumir as ilusões da realidade inventada. Tenho a impressão que a nossa geração, quando ficar velha, num leito diante das últimas horas, se for questionada sobre o maior arrependimento na vida, dirá: o tempo que perdi assim. Morreu de selfie, mas a longo prazo. Esse relato foi escrito pela nossa convidada de hoje. O Vozes volta de férias com uma proposta nova: termos um papo reto com pessoas que consideramos ter muito a dizer. A conversa de hoje vai ser com a Michele Boroh. Michele é jornalista, cronista de cotidiano e uma das coordenadoras de um clube de leitura formado majoritariamente por mulheres. Há 9 anos estuda os efeitos coletivos e pessoais das redes sociais, com as quais mantém uma relação de encanto e desconfiança. Não tem nenhum perfil ativo na internet no momento. Fala com a gente: Instagram @vozesdofeminino e e-mail: vozesdofemininocast@gmail.com. Equipe: Camila Luz, Jéssica Marques e Renata Lessa (Produção e apresentação) e Déborah Souza (edição). Referências citadas no episódio: Livro "Sociedade do cansaço" de Byung-Chul Han, Livro "O tribunal da quinta-feira" de Michel Laub, Episódio "Nosedive" (S03E01) da série Black Mirror, Música "Desconstrução" do Tiago Iorc. Créditos: Abertura "Keratine, rust and a clear soul" por Alpha Hydrae, do album "(゚uu ゚)##)彡" de 2013. Vírgula "Pure Water" por Meydän, do album Interplanetary Forest de 2019. Encerramento "Delamine" por Blue Dot Sessions, do album Bitters de 2019.