O Ouro, mercadoria miraculosa, que trazes em ti as outras mercadorias.
Ó Ouro mercadoria primogénita, em que se converte toda a mercadoria.
Ó Deus que tudo sabes medir.
Tu, a mais perfeita, a mais ideal materialização do Deus-Capital.
Tu, o mais nobre, o mais grandioso elemento da natureza.
Tu, que não conheces bolor, nem caruncho, nem ferrugem.
Ó Ouro, mercadoria inalterável, flor resplandecente, raio brilhante, sol reluzente. Metal sempre virgem, que, arrancado às entranhas da terra, antiga mãe das coisas, de novo te escondes, longe das luzes, nos cofres-fortes dos usurários e nas caves dos Bancos e que, do fundo dos esconderijos onde te amontoas, transmites ao papel vil e miserável a tua força que ele multiplica.
Ó Ouro inerte que removes o universo, diante da tua esplendorosa majestade os séculos ajoelham-se e adoram-te humildemente.
Concede a tua graça divina aos fiéis que te imploram e que, para te possuírem, sacrificam a honra e a virtude, a estima dos homens, o amor da mulher que amam dos filhos da carne, e que arrastam o desprezo por si próprios.
Ó Ouro, senhor soberano, sempre invencível, eternamente vitorioso, escuta as nossas preces.
Construtor de cidades e destruidor de impérios.
Estrela polar da moral.
Tu, que pesas as consciências.
Tu, que ditas as leis às nações e que fazes curvar sob o seu jugo os Papas e os Imperadores, escuta as nossas preces.
Tu, que ensinas o sábio a falsificar a ciência, que persuades a mãe a vender a virgindade da filha e que obrigas o homem livre a aceitar a escravatura na fábrica, escuta as nossas preces.
Tu, que produzes flores e frutos desconhecidos da natureza.
Que semeias os vícios e as virtudes.
Que engendras as artes e o luxo, escuta as nossas preces.
Tu, que prolongas os anos inúteis do ocioso e abrevias os dias do trabalhador, escuta as nossas preces.
Tu, que sorris ao capitalista no seu berço e que açoitas o proletário no seio da sua mãe, escuta as nossas preces.
Ó Ouro, viajante infalível, que gozas com as fraudes e as intrujices, atende as nossas súplicas.
Intérprete de todas as línguas.
Medianeiro subtil.
Sedutor irresistível.
Padrão dos homens e das coisas, atende as nossas súplicas. Mensageiro da paz e fautor da discórdia.
Distribuidor do descanso e do sobretrabalho.
Auxiliar da virtude e da corrupção, atende as nossas súplicas.
Deus da persuasão, tu, que fazes ouvir os surdos e que soltas a língua aos mudos, atende as nossas súplicas.
Ó Ouro, maldito e invocado por inumeráveis preces, venerado pelos capitalistas e amado pelas cortesãs, atende as súplicas ...
(Paul Lafargue)