Listen

Description

Profundas são as águas da lagoa negra

E cor de chumbo. Dizem que um dragão sagrado

Mora aqui. Olhos humanos

Jamais o viram, mas próximo à lagoa

Construiu-se um santuário, e as autoridades

Organizaram um ritual. Um dragão

Pode continuar dragão, mas os homens

Podem fazer dele um deus. Os habitantes da aldeia

Veem boas e más colheitas

Nuvens de gafanhotos e comissões do governo

Impostos e pestes como desígnios do dragão sagrado.

Todos sacrificam a ele

Pequenos leitões e jarras de vinho, segundo os conselhos

De um deles, que possui poderes.

Ele determina também as orações da manhã

E os hinos do fim da tarde.

Salve, ó Dragão de muitas dádivas!

Bem-aventurado sejas, Vencedor

Salvador da pátria, és

Eleito entre os dragões, e eleito é

Entre todos os vinhos o vinho do sacrifício.

Há pedaços de carne nas pedras em volta da lagoa.

A grama diante do santuário está manchada de vinho.

Não sei quanto de suas dádivas

O dragão come. Mas os ratos dos arbustos

E as raposas dos montes estão sempre bêbados e fartos.

Por que estão assim felizes as raposas?

Que fizeram os pequenos leitões

Para que sejam mortos ano após ano, somente

Para agradar às raposas? O dragão sagrado

Na profundeza mil vezes escura de sua lagoa

Sabe ele que as raposas o roubam, e comem seus pequenos leitões?

Ou não sabe?

(Bertolt Brecht)