microconto 37
“ele era muito bom com as plantas,
fazia bonsai de suculentas
de um jeito bem perséfone.
era muito bom no trato das madeiras,
construía balcões e móveis
de um jeito bem gepeto.
era muito bom observador do céu,
desenhava constelações com os pontos iluminados
de um jeito bem carl sagan.
era muito bom identificador de rochas,
contava a história do planeta pelas magmáticas, sedimentares e metamórficas
de um jeito bem euclides da cunha.
era muito bom decifrador de enigmas e charadas,
entrava nos quebra-cabeças de miss marple
de um jeito bem agatha christie.
era muito bom no jogo de tênis,
fazia voleio, acertava a bolinha e finalizava a partida
de um jeito bem maria esther bueno.
era muito bom ouvinte de jazz e rock inglês,
se emocionava com o trumpete e com os poemas do bardo
de um jeito bem aos jovens dos anos 1990.
mas ele se mudou daqui.
e enviou de onde estava,
lugar de neve, esquilos e bolas de golfe,
a história ‘pontes para terabítia’,
para saber que os sonhos são intensos enquanto duram.
levou na mala um cd do skank
para lembrar da sonoridade de sua terra mãe.
ouviu aquelas palavras todo dia
e elas ecoavam dentro dele.
a saudade do que deixou era grande.
afrouxou o aperto.
deixou sentar pó no cd
e a língua passou a tocar em outro ponto do palato.
o verbo passou a flexionar no da terra pátria.
foi viver outra vida,
foi ser de outros jeitos.
e se esqueceu de tudo que era naquela”.