Listen

Description

Aqui o autor de Hebreus começa a tratar uma das grandes idéias bíblicas básicas: a de uma aliança. Na Bíblia a palavra grega que sempre se usa para aliança é diatheke. Como veremos existe uma razão especial para a escolha desta palavra inusitada. Comumente uma aliança é um acordo entre duas pessoas. O acordo depende de condições que ambas as partes aceitam: se alguém romper as condições da aliança, a própria aliança fica anulada. Mas há um ponto estranho que requer explicação. A palavra grega para acordo no uso normal é syntheke. Syntheke é o termo para uma aliança matrimonial; para o acordo entre dois estados. Além disso, normalmente, em grego diatheke significa não acordo, mas sim testamento.
Por que usaria o Novo Testamento esta palavra inusitada para aliança? A razão é a seguinte: syntheke descreve sempre um acordo em termos de igualdade. As partes que intervêm na syntheke estão no mesmo nível e podem negociar em igualdade de condições. Mas Deus e o homem não se encontram em igualdade de condições. No sentido bíblico de aliança toda aproximação e oferecimento procedem de Deus: é Deus aquele que vem ao homem, oferece-lhe uma relação consigo, e estabelece os termos nos quais a relação se fará efetiva. O homem não pode negociar com Deus, não pode discutir os termos e as condições da aliança. Só pode aceitar ou rechaçar o oferecimento que Deus lhe faz mas de maneira nenhuma pode alterá-lo ou mudar seus termos.
Agora, o exemplo supremo de tal acordo é de fato um testamento. As condições do testamento não se dão pela igualdade dos que participam mas sim só por uma pessoa: o testador; a outra parte não pode alterá-las como não poderia tê-las estabelecido. O testamento é feito por uma só pessoa, e a outra parte só pode aceitar ou rechaçar a herança como lhe é oferecida. Esta é a razão pela qual nossa relação com Deus se descreve como diatheke, como uma aliança entre partes, das quais só uma é a responsável. Nossa relação com Deus é-nos oferecida só por iniciativa e graça de Deus. Quando usamos a palavra aliança e pensamos em termos de contrato lembremos sempre que não pode significar um negócio do homem com Deus em paridade de condições. Significa sempre que toda a iniciativa é de Deus; os termos são postos por Deus e o homem não pode no mais mínimo alterá-los. No pensamento desta passagem podemos distinguir certas características da nova aliança de Jesus. 1) a antiga aliança dependia da obediência a uma lei que se impunha externamente. A nova aliança seria escrita nas mentes e nos corações dos homens. Para expressá-lo de outra maneira, os homens obedeceriam a Deus não levados pelo medo ou o castigo, mas sim porque o amavam; não porque a Lei ordenasse fazê-lo forçosamente, mas sim porque o desejo de obedecê-lo estaria escrito em seus próprios corações. Não seria uma lei externa, obedecida com relutância; o desejo de obedecer estaria no próprio coração do homem. 2) Seria uma aliança cujo resultado seria realmente o perdão. Vejamos agora como terá lugar este perdão. Deus havia dito que teria consideração de suas iniqüidades e esqueceria os seus pecados. Agora, todo isto é de Deus. A nova relação se baseia inteiramente no amor de Deus. Sob a antiga aliança o homem só podia manter esta relação com Deus obedecendo à Lei, quer dizer, mediante seu próprio esforço. Agora pelo contrário tudo depende não do esforço do homem, mas sim da graça, do amor e da misericórdia de Deus. A nova aliança coloca os homens em relação a um Deus que é ainda o Deus de justiça, mas cuja justiça é eclipsada por seu amor. O mais tremendo da nova aliança é que a relação do homem com Deus já não depende da obediência humana, mas sim inteiramente do amor de Deus. BARCLAY, The Letter to The Hebrews.