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Acompanhando todas as pesquisas sobre o governo Bolsonaro e sua atuação frente à pandemia, mais do que seguir os altos e baixos de popularidade e aceitação, o que espanta é uma marca incompreensível: 30% dos brasileiros apoiam o presidente.Seja considerando seu governo bom ou ótimo, seja aprovando sua ação no controle da doença, esse percentual cabalístico desafia a realidade dos fatos. 

O governo é objetivamente ruim ou péssimo, por qualquer critério utilizado, seja quantitativo ou qualitativo. O país piorou, no aspecto material, e está pior, no sentido moral. A economia vai mal, a sociedade está dividida, as políticas públicas não funcionam. O Brasil despenca em todos os parâmetros internacionais tanto em direitos humanos como em defesa de liberdades sociais. Descambou para a 12ª economia, perdeu protagonismo regional e é considerado pária, mesmo que se orgulhe disso. As pessoas estão mais pobres, as instituições funcionam no tranco e o jogo político rasteja no mais puro fisiologismo.

E, mesmo assim, 30% cravam apoio ao presidente.

No combate à pandemia, o país se tornou a maior ameaça mundial, registra quase um quarto das mortes do mundo a cada dia e se anuncia a cada dia um colapso inevitável. É reservatório para a proliferação do vírus original e de suas variantes. Não comprou vacinas, não preparou a atenção aos doentes e, além de testes, ficou sem oxigênio em algumas regiões e em breve não será possível intubar pacientes graves. Mesmo que estes ganhem lugar em uma UTI na macabra loteria da morte que toma conta dos hospitais e desespera os profissionais de saúde.

O Brasil, que parece ter escolhido no primeiro momento o cuidado com a economia em vez de defender a vida, ao não comprar vacinas quando era viável, agora vê a paralisação da atividade econômica, além de se tornar o parceiro a ser evitado nas relações comerciais. Ficou mais doente e mais pobre. E mais pobre exatamente porque mais doente. O que afunda o presente e torna mais longa e difícil a recuperação. Além disso, jogou contra a ciência, o isolamento e os cuidados individuais e solidários. Apostou no individualismo, no egoísmo e na mentira.

Nem por isso, os 30% arredaram o pé.

A matemática dos 30%, que parece ser a garantia eleitoral do presidente em sua obsessão em se manter no cargo – fora dele nada mais resta que assumir sua mediocridade de baixo clero e autor de declarações patéticas que marcam sua trajetória – tem um rosto. São pessoas que assumiram posições que até então as mantinham constrangidas. São feitas de ódio, anticomunismo tacanho (não sabem o que é comunismo), conservadorismo e ignorância. O que mudou foi a liberdade em assumir esse perfil publicamente. Uma espécie retorno manifesto do ressentimento.

O 1% que operacionalizou os 30%

No entanto, são apenas a face mais visível do bolsonarismo. Na verdade, o que mantém operante o horror em que nos metemos é um grupo que talvez não chegue a 1%, mas que operacionalizou os 30% cativos e agregados de ocasião, em torno do antipetismo. O resultado foi um governo que segue a cartilha econômica, entreguista, privatista e antidireitos sociais e trabalhistas, sob comando do empresariado, mídia, militares, sistema jurídico e a extrema direita representada no Congresso. Eles não fazem barulho: compraram a panela para os estúpidos baterem.