“Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra”. A Terra, o Reino de Deus, serão definitivamente dos não violentos, dos que aguentam as provações e não trocam violência por violência. Há quem sinta prazer na violência ativa, pressentida, assumida, praticada. O seguidor de Jesus põe a sua felicidade na não-violência proclamada, assumida, professada. “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra”. Usamos aqui o termo “não violentos”, mas várias traduções da Bíblia oferecem também outras denominações diferentes ao referir-se aos afortunados desta bem-aventurança: “felizes os mansos”, “aqueles que são corteses, afáveis, acolhedores...”, “os de bom coração”, “os submissos, os sofredores”, etc. De qualquer modo, parece que a atitude que está sempre por trás é a “mansidão”. Uma atitude citada unicamente por Mateus e que, na verdade, não está na moda nos tempos atuais. Ou, por acaso, não a confundimos hoje com o abatimento, a falta de vontade de triunfar, a inércia e até como camuflagem da debilidade e covardia? Contudo, o certo é que Jesus não só́ declara afortunadas estas pessoas como lhes promete o domínio da terra inteira. Vejamos então ... Quem são os “mansos”? Não é a mesma coisa dizer “bem-aventurados os mansos” e “bem-aventurados os covardes”. Covarde é o que gostaria de se revoltar, que gostaria de responder, mas não pode, porque lhe é impossível ou porque as consequências serão piores. [...] A palavra grega que se traduz por “mansidão” aplica-se aos possuidores de várias qualidades, que vão da simplicidade ao sofrimento. Em todo o caso, os “mansos” não são os brandos nem os amorfos. A mansidão evangélica implica firmeza de caráter; não se trata de um determinado temperamento, de uma disposição natural feita de indiferença ou de apatia, nem tão pouco do costume de se render perante as razões ou as pretensões alheias para evitar incidentes. A mansidão é uma virtude e, portanto, um ato de fortaleza. Não nos equivoquemos sobre a sua exterioridade tranquila e, por vezes, sorridente, pois não se consegue mais do que severidade para consigo mesmo. Num mundo em que a força tem a última palavra, o Evangelho não anuncia ingenuamente a supremacia da debilidade, mas ensina a todos onde reside a força. A força, segura de si mesma, não tem de ser demonstrada como brutal: essa força, intransigente e serena, que acaba por triunfar sobre todas as violências, é o domínio de si próprio. Assim como os pobres, segundo o Evangelho, são os verdadeiros ricos, os mansos são os verdadeiros fortes. São muitas as pessoas que passam pelo cristianismo sem suspeitar que ser cristão é uma escola de energia. No entanto, Jesus, Que jamais fez o Seu autoelogio, considerou oportuno dizer aos que convidava a receber as Suas lições: “Eu sou manso e humilde” (Mateus 11, 29). Talvez tenha feito esta confidência porque as virtudes da humildade e mansidão têm pouca cotação na bolsa dos valores humanos. Mas vejamos de perto a mansidão de Jesus: paciente no que respeita à lentidão mental dos seus discípulos, acolhedor de todas as misérias, não vacila ao espancar os vendedores que profanam a santidade do templo, nem ao encarar os potentados que oprimem os humildes. Nas trágicas horas da Sua Paixão, o beijo de Judas só lhe inspira piedade para com o crime do traidor, mas, de imediato, ouvimos Jesus declarar altivamente ao governador que, com uma só palavra, O pode condenar ou livrar da morte. Disse Jesus a Pilatos: “Não terias qualquer poder sobre Mim, se não te tivesse sido dado do alto” (João 19, 11). A mansidão e a humildade, que são inseparáveis, são os indícios menos enganosos da fortaleza de caráter e da posse do próprio ser: são a condição da ação reflexiva, ardente e perseverante.
CRÉDITOS
Texto: https://ens.pt/protected/wp-content/uploads/2018/05/tema-de-estudo-2004-as-bem-aventurancas.pdf
Imagem: https://mundodasimagens.com/imagem-139
Trilha sonora: Acervo pessoal