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Por João Anatalino

A Maçonaria, como se sabe, também presta o seu culto ao herói sacrificado. Todo maçom que tenha sido elevado ao mestrado na Arte Real já fez a sua marcha ritual em volta do esquife do Mestre Hiram Abiff, o arquiteto do Templo do Rei Salomão, assassinado pelos três companheiros ambiciosos, que queriam abreviar o prazo de seu aprendizado e obter os graus mais elevados sem o devido mérito. A alegoria da morte de Hiram é uma clara alusão ao mito do sacrificado. Ele está conectado, de um lado ao simbolismo da ressurreição e de outro lado ao mito solar. Pois nas antigas religiões solares, o Sol, princípio da vida, morria todos os dias para ressuscitar no dia seguinte, após passar uma noite em meio ás trevas.

O sol, como acreditavam os antigos povos, era o esposo da terra. Era pelo efeito do seu calor que a semente lançada na terra renascia e frutificava. Então, por analogia, o sepultamento do corpo humano no interior da terra era uma condição necessária para que ele pudesse ressuscitar. Em consequência, todas as antigas iniciações recorriam ao estratagema do ritual funerário para simbolizar a “morte”, pois sem esta não poderia haver um renascimento. Até a teologia cristã usou esse simbolismo para dar mais força à sua pregação, com o episódio da ressurreição de Lázaro e a própria morte e ressurreição de Jesus após três dias na tumba.

A Lenda do Mestre Hiram, no ritual maçom, é uma reminiscência bastante clara do chamado sacrifício da completação. Na verdade, ela foi cunhada em cima da informação de que Salomão, ao completar a obra do Templo, sacrificou muitos animais. Em conexão com essa tradição, era preciso gerar a ideia de um sacrifício mais simbólico e impactante, para marcar a construção de uma obra tão importante, que era a própria Maçonaria, simbolizada na construção do Templo do rei Salomão. Nasceu então, na cabeça dos autores do ritual, a ideia de “sacrificar” o Mestre Construtor do Templo, assim como nas antigas tradições egípcias, o arquiteto das tumbas faraônicas costumava ser imolado para não revelar seus segredos.

Os autores do ritual sabiam que a teatralização dos Antigos Mistérios, mais do que uma simples homenagem á deusa Ceres ou Ísis, simbolizavam também a jornada do espírito humano em busca da Luz que lhe daria a ressurreição. Foi nesse sentido que a o simbolismo da semente que é enterrada na terra se conectou com o mito do herói sacrificado e deu, como resultado, a Lenda do Mestre Hiram. A marcha dos Irmãos em volta do esquife de Hiram nada mais é que uma imitação desse antigo ritual, que espelha a ansiedade do nosso inconsciente em encontrar o seu “herói” sacrificado, para nele realizar a sua ressurreição. Em suma, é uma marcha em busca do sol, que contém a energia que faz a semente se regenerar. Por isso ela é feita sempre no sentido do Ocidente para o Oriente.