Há 54 anos, a noite trouxe consigo a chuva assassina.
À volta de Lisboa construíam-se novas urbanizações, mas as novas casas eram caras e não chegavam para todos os que, a partir do campo, vinham para a capital na busca de trabalho nas fábricas e melhores condições de vida. Vivia-se como e onde se podia e às portas de Lisboa proliferavam os bairros de barracas.
Estima-se que mais de setecentas pessoas tenham morrido e cerca de mil e cem tenham ficado desalojadas em Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer. A enxurrada matou famílias inteiras, semeou o luto e a dor. E estima-se porque, o lápis azul da censura prévia do regime salazarista nunca permitiu que se conhecessem os números exatos.
Nesta noite em que a chuva matou, morreu-se sobretudo por se ser pobre, porque a água que caiu, apesar de ser muita, não encharcou todos por igual."
