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Description

Trata se de um poema autobiográfico e eis aqui a letra. Território indígena o corpo.

Eni Carajá Filho - Jokãntyhy

Homem desfigurado. Já nasceu enganado, doença veio junto.

Corpo retaliado, becos e vielas abertas numa estrada inabitada e sem fim, perna que só queria o direito de andar.

Internado a mais de ano pós nascer com o técnico desengano em sobreviver, seu destino era morrer.

Mas como aceitar um destino imposto no mundo estranho se as forças do soerguimento vêm de Tupã.

Raquitismo de todos os lados, ossos da espinha bem a vista, assim como alguns homens na Etiópia poderíamos enxergar os caminhos das vértebras desse ser.

Mas que sujeito abusado, não acompanhou as recomendações médicas, preferia subverter, e essa subversão virou dom para seu desenvolvimento.

Verdades impostas se tornariam mentiras, ou mesmo contestações a se firmarem de vez rumo ao processo de ressurgir.

Indígena de natureza, que enfrentou várias cortes de bisturi, vendo no olhar dos profissionais tanta esperança e destreza.

A alteridade lhe emparedou, deixou apenas uma escolha, sobreviver era tudo que lhe restara.

Essa sobrevida, sofrida, esculpida pai Tupã lhe recompensou.

Viver junto a pessoas lindas, cultas e de enorme coração, colhendo simpatias rompendo inanição.

Após cortes sobre cortes, tumores em ressecção, corpo dilacerado permanecendo cidadão, daqui e de acolá, indígena de resistência, um guerreiro Carajá.

Desbravando conhecimentos e aprendendo com o modo de viver, liderou e foi liderado vendo seu povo na cultura e buscando sobreviver onde prevalecia união contrario de enraivecer.

Esse orgulho bate no peito despertando a razão, deu de cara com desafios, mas semente que germina, cresce, sobrevive e morrer não é sua decisão.

Aquele corpo desfigurado, personagem cobaia em tudo que era hospital, encontrou a salvação, somente quando evoca seu ancestral.

Esse resgate que trouxe foi um sopro de escrever, se encontrarem esse moço, referencie seu ato de nascer.

A tudo isso que falo e peço é justamente para lembrar que aconteceu com seu povo numa aldeia acolá.

Contaram de um genocídio, chacina ou matança sem igual, no lugar originário, a Ilha do Bananal.

Virou no contexto urbano Cacique ou líder de um povo que sempre invisibilizado na localidade que os negou.

Sim perdeu grande família de parentesco sem fim, mas sobrou quem ganhou o mundo e fez desse moço um pedaço de mim.