O Alzheimer fez a Cláudia se aproximar da mãe, com ela tinha uma relação muito complexa.
Cláudia passou 63 anos sob o mesmo teto que a mãe, unidas quase só pela rotina. A infância foi dura: a mãe, criada num quintal onde havia até uma “cela” de castigo, reproduziu a rigidez que aprendera.
Quando o irmão preferido morreu, aos 14 anos, Cláudia carregou a sensação de ser a filha “errada”. Mesmo adulta, não saiu de casa: o cuidado permaneceu, mas o afeto nunca chegou por parte da sua mãe.
Já com a mãe idosa e uma relação distante, vieram os pequenos esquecimentos: despedidas repetidas, panelas queimadas, noites em claro. Quando foram procurar um médico, o diagnóstico de Alzheimer fez Cláudia perguntar se a mãe acabaria esquecendo dela. Ali nasceu a urgência de reconstruir um vínculo que nunca existiu.
A doença levou a mãe de volta a um tempo em que procurava a “Cláudia criança”. Para acalmá-la, a filha aprendeu a linguagem do toque e da música: mãos no rosto, olhos nos olhos, canções antigas.
Foi nesse espaço que, pela primeira vez, Cláudia ouviu “eu te amo” de quem nunca soube demonstrar amor. Secar louça dançando virou um ritual para as duas, e esses momentos foram parar na internet, no canal “O Bom do Alzheimer”, porque foi a partir da doença que veio a leveza entre elas.
Hoje, aos 90, a mãe fala pouco e depende de tudo. Os banhos antes cheios de gritos agora acontecem em silêncio, não por compreensão, mas pela progressão do Alzheimer. Cláudia encara cada dia como um ensaio para a despedida lenta, sem perder a ternura que finalmente brotou daquela relação entre mãe e filha.
Nas palestras e no livro que escreveu, ela repete o alerta: mudanças bruscas de comportamento não são “coisa da idade”. O Brasil esta envelhecendo, e reconhecer cedo sinais como esquecimento constante faz diferença. Foi assim que Cláudia transformou um diagnóstico em oportunidade de amor, mesmo que tardio.
Aproveitando, o Alzheimer não trouxe nenhum castigo divino; mas trouxe a chance de, antes do esquecimento completo, lembrar que ainda era possível dizer: mãe, eu estou aqui.
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Foto da capa: Estadão