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Escrita por Itamar Vieira Junior, obra reflete as desigualdades, escravidão e racismo estrutural no Brasil.

Texto da reportagem:

Nosso país tem inúmeros desafios quando o assunto é cultura./ E um deles é repensar o lugar da literatura na escola, nas nossas vidas e a nossa própria ideia do que é literatura./ A gente costuma confundir literatura com as obras clássicas e esquece da riqueza das contemporâneas./ E a gente esquece, também, que autores, personagens e histórias são representativos do nosso próprio povo, da nossa própria cultura./ Por isso, escolhi falar hoje de um livro que está fazendo bastante sucesso: Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, lançado em DOIS MIL E DEZENOVE./ Geógrafo Baiano, descendente de negros escravizados e indígenas, ele é jovem na cena literária nacional, mas um profundo conhecedor da realidade representada no livro./ Trabalhou no Incra, viu de perto as violências pela posse da terra e é doutor em estudos étnicos e africanos.// Em Torto Arado, constrói uma narrativa daquelas que fazem a gente pensar em situações terríveis que ainda acontecem no Brasil.//

Estou falando dos quilombolas, filhos, netos e bisnetos de negras e negros escravizados./ Depois da abolição, há apenas CENTO E TRINTA E TRÊS ANOS, essas pessoas passaram a vagar por fazendas cujos senhores permitiam que negras e negros trabalhassem, de graça, em troca de um lugar para erguer uma moradia miserável, feita de palha e barro./ Para comer, diziam os fazendeiros e capatazes, poderiam ter sua própria horta, cultivada pelas mulheres, já que os homens deveriam trabalhar duro, de sol a sol, nas plantações dos patrões.//

Em Torto Arado, são as mulheres que narram o cotidiano de suas famílias e vizinhos em uma fazenda no interior do Sertão da Chapada Diamantina./ Duas irmãs, Bibiana e Belonísia, vivem o drama das enchentes e das secas./ Fome, violência, falta de acesso à educação, saúde e moradia minimamente salubre fazem parte da vida de quatro gerações da comunidade./ Até que uma das personagens sofre as consequências de falar à sua gente sobre o direito dos povos quilombolas.//

Não vou contar tudo que acontece para não dar spoiler aos ouvintes, mas a obra mostra pra gente a perspectiva de gerações escravizadas./ Antes e depois da lei áurea./ E faz pensar sobre a realidade de pessoas esquecidas pela sociedade./ Sobre lugares onde direitos de cidadãos são negados./ Apesar de ser uma obra de ficção, Itamar Vieira Junior fala de problemas reais dos dias de hoje./ Para se ter uma ideia, De MIL NOVECENTOS E NOVENTA E CINTO ATÉ O ANO PASSADO, mais de CINQUENTA E TRÊS MIL pessoas foram resgatadas em condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil./ As informações são do Observatório da erradicação do trabalho escravo e do tráfico de pessoas./ Além disso, crescem os conflitos em terras quilombolas e indígenas pela posse da terra.//

Então, deixo essa dica de leitura para quem quiser conhecer novos talentos da nossa literatura./ E deixo também a minha impressão sobre Torto Arado: uma narrativa comovente, que nos lembra que os horrores da escravidão e do racismo estrutural estão longe de serem superados no Brasil./

Um abraço, Bira Costa e bom final de semana para ti e ouvintes.//