"Apesar do caráter comercial do Dia das Mães, a data, fortemente introjetada no imaginário coletivo, demanda algumas reflexões. Entre elas a de que o qualitativo mãe não reduz o substantivo mulher.
Uma das mais difundidas máximas biológicas atrela o ser humano ao mecanismo de “nascer, crescer, reproduzir e morrer”. Que no ínterim a gente se recorde de viver!
Esses infinitivos nominais, imperativos, nos chegam com força de lei. Em alguns são tão fortemente alojados que desestabilizam estruturas psíquicas, seja pelo anestesiamento perverso que formata corpos e sufoca o livre-arbítrio, seja pelo pensamento crítico que rompe com a conveniente programação.
Os extremos “nascimento e morte” pouco movimentamos. Uma vez nascidos, a morte é inexorável, questão de tempo e circunstâncias para nos encontrar. Ainda que excepcionalmente possamos definir quando / onde / como, ela é inevitável, obrigatoriamente nos alcança.
Já o que pode ou não acontecer entre eles, “crescer e reproduzir”, nos fornece boas margens de manobra, também, fruto de escolhas! Uma alimentação de qualidade acompanhada de estímulos sensoriais, afetivos e intelectivos tende não só a desenvolver corpos como mentes saudáveis.
Corpos funcionais associados a mentes ativas e flexíveis são capazes de operar transformações benéficas, seja na esfera privada como na pública. Não se gesta apenas corpos, mas ideias, entre elas projetos capazes de acolher, desenvolver e emancipar muitas vidas.
Mulheres não são máquinas de reprodução. Podem, se assim o quiserem e puderem, eventualmente gestar corpos, sendo ou não casadas. Casamento também é uma escolha, não imposição.
O que faz de uma mulher Mãe não é o filho parido, mas o filho recebido! O cuidado no desenvolvimento e emancipação de um ser humano que chega frágil ao mundo não é questão de gênero, basta observarmos a conversão de muitos personagens sociais em Mães e Pais. Aí se inclui o Estado Necessário, em suas esferas municipal, estadual e federal. Além de ampliar e reforçar a designação de Família, abarcando uniões diversas.
Espelhando o pior de nossas sociedades, alguns núcleos sociais e familiares esbanjam preconceitos e hipocrisias, quando o que não lhes deveria faltar seria respeito e amor! Nesse contexto de cuidado emancipatório (que não aprisiona, mas liberta), é oportuna a metáfora de Gibran Kahlil Gibran, em O Profeta...
Filhos como flechas vivas que se projetam rápidas para longe. Mães e Pais como arco na mão do arqueiro (que pode ser entendido como deidade ou como a própria vida). A tensão do encurvamento oportuniza o voar da flecha. O arco, há que permanecer estável... Ajuda a sensação apaziguante de sermos todos amados e cuidados: arco que permanece e flecha que voa!
Que não nos percamos em papeis e trajetórias... Mães / Pais / Filhos, somos todos! Que chegue o dia em que, acalantados pela gratidão do privilégio do encontro, possamos celebrar a prontidão de estarmos juntos, sinalizando caminhos e estendendo as mãos."
Ana Rita de Calazans Perine