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Description

A escritora Francine Cruz lê o conto Era uma Vez, de sua autoria. o conto está presente na Antologia "Parem as Máquinas" do selo Off Flip, 2020. 

Era uma vez...  Era uma vez uma escritora. E daquelas bem ruins, pois começava seus contos com era uma vez e já nas primeiras linhas fazia uso de conjunções simplórias como pois. Mas... ela gostava de escrever e quando a gente gosta de fazer alguma coisa a gente faz mesmo, do jeito que a gente quiser, tomado pela paixão que não tá nem aí pras convenções sociais porque a paixão é mais cega que o amor e impregna tudo de prazer. Talvez uma boa maneira de expressar os sentimentos da nossa escritora seja dizer que era uma virgem possuída por uma incontrolável luxúria lexical. Entretanto, apesar de sua paixão pela escrita, essa escritora, contraditoriamente, não escrevia muito. Não tinha tempo de colocar no papel todas as ideias mirabolantes que brotavam na sua cabeça a todo instante. Ganhar dinheiro para garantir a sobrevivência da família era prioridade. Trabalhava em dois empregos e a escrita não tinha nada a ver com nenhum deles. Disso de escrever, ela só tinha mesmo o auto-proclamado substantivo. No mais, eram alguns projetos inacabados aqui e ali, em cadernetas velhas se estava na rua, em páginas de word se por um milagre conseguisse ligar o computador na tranquilidade do lar, após toda a faxina e com as crianças dormindo. Que sonho! Claro que ela já havia pensado em desistir de escrever. Acabou escrevendo sobre isso. Gostava de divagar na metalinguagem. Mais clichê que amor não correspondido e escritor depressivo fumando num bar, só escritor desiludido escrevendo sobre escrever. Sabia que precisava lapidar, mas como não tinha tempo de jogar a primeira ideia fora, ficava com essa mesmo. Por fim, vale dizer que a escritora era muito vaidosa – adjetivo imprescindível para quem almeja tal título, como já dizia minha amiga Ana: “a gente sempre acha que é Fernando Pessoa” – e ficava num eterno dilema entre mostrar seus textos para o mundo (vaidade das vaidades!) ou não mostrar pra ninguém (também por vaidade). No meio dessa indecisão, resolveu terceirizar o problema e enviar seus originais para um jornal literário da cidade. Eles que decidam por ela.

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