Onde nasce a fé? Do que vem em nome do Senhor à Mesa que ele preparou.
“Que tipo de amor é esse? Aqui estou neste mundo cruel, cheio de maldade e o que este amor faz por mim?” Era isso que eu pensava naquela madrugada de quinta para sexta, quando acordei e a TV exibia um filme sobre Jesus, história que conheço desde criança, mas nunca acreditei, pelo menos não como me contavam.
Dúvidas sobre milagres e a ressurreição não me perturbavam tanto quando a lógica de um Deus que ama e mata seu filho para cumprir uma regra ou satisfazer sua justiça. Talvez isso tenha me dado a desculpa que precisava para não crer.
Logo de manhã, depois de não ter conseguido dormir, veio aquela saudade das movimentações de Páscoa na igreja – os ensaios, as canções, as encenações e os chocolates. Que saudade gostosa! Isso me fez lembrar
quando Jesus, ainda menino, estava com os adultos conversando sobre a Palavra de Deus;
quando ele leu o profeta Isaías na sinagoga; do seu batismo e a humildade de João;
da forma como ele atraiu seus discípulos, as multidões e também como as dispersou para não se desvirtuar do seu propósito (que nem ele mesmo queria cumprir).
De tudo isso, o que mais me fascinava na vida de Jesus, era o jeito como ele conseguia entender e sentir a dor das pessoas, de um leproso a um jovem valoroso Jesus tocava naquilo que precisava ser purificado, a pele apodrecida ou o coração soberbo.
Confesso que foi esse Jesus que eu amei com todas as minhas forças, mas não conseguia aceitar o que o Pai fez com ele. Por isso desconstruí dentro de mim todo aquele papo de trindade, salvação, ressurreição e volta de Jesus. Para mim, tudo não passava de uma história, que pode até ter acontecido, mas as interpretações cristãs eram, meio que, para amenizar o lado do Deus pai. Por isso, escolhi desacreditar de Deus porque o que ele fez e faz não entra na minha cabeça.
Mas a vida é uma surpresa estranha. Naquela manhã preparávamos a ceia em família, discussões e lembranças surgiam de todos os lados, ficaram falando do dia que eu esqueci a minha fala na encenação de páscoa, deveria ter falado: “eu lavo as minhas mãos”; mas depois demorar tentando lembrar, disse: “eu não tenho minhas mãos”. No meio da zueira, alguém gritou ironicamente: “realmente para serve nossas mãos se não a usamos diante das injustiças”.
Olhando aquela cena, todos juntos à mesa, os que creem, os que duvidam, os que negam, os que traem, os que não entendem; consegui ter por alguns instantes a sensação de que todos só estavam ali porque alguém preparou tudo e convidou. O Pai preparou tudo e Jesus foi o portador das Boas Novas. Foi ali que nasceu a minha fé, meio que discordando de jeito que o Pai fez as coisas, mas reconhecendo seu objetivo é que todos tenham lugar na sua mesa. Sem a morte de Jesus não teríamos este lugar à mesa. Por um tempo descri no Deus do Céu, mas foi a encarnação do Filho e na vida daqueles que perdoam, cuidam, amam de verdade que ouvi a mensagem da cruz falada e testemunhada. Naquele dia, larguei minhas fraquezas, reconheci que não merecia estar ali, enxerguei meus amigos felizes ou feridos, gente que escutou o chamado e aceitou. Foi à mesa que reconheci o lugar ali preparado para mim. Então, o amor que ainda não entendo, que não cabe em mim, tornou-se pleno vívido e parte do que sou.