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Origem TV Cultura - Programa Vox Populi em 1978 - https://www.youtube.com/watch?v=W1hbZYEBlGM


Texto de Daniel Piza no Jornal Folha de São Paulo em 14 de março de 1994

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/3/14/ilustrada/13.html


Povo enfrenta Nelson em "Vox Populi"


DANIEL PIZA

DA REPORTAGEM LOCAL


Título: Vox Populi - Nelson Rodrigues

Quando: hoje, às 22h30

Emissora: TV Cultura



A voz do povo não era a voz de Deus para Nelson Rodrigues, ainda que ele tentasse afirmar o contrário. O programa que a TV Cultura reapresenta amanhã, dando início a uma semana Nelson Rodrigues no horário das 22h30, é a entrevista do dramaturgo feita em 1978 ao hoje extinto "Vox Populi" que ficou famosa pelo acúmulo de opiniões controversas do anjo pornográfico –em especial a de que as mulheres normais gostam de apanhar.

O programa confronta as idéias de Nelson Rodrigues com depoimentos de pessoas nas ruas do Rio. São amazonicamente distantes. É hilária a sequência em que Nelson declara ser um conhecedor do povo, que escreve para o povo, que é lido pelo povo, e depois são mostradas pessoas na rua que jamais ouviram falar de tal ídolo –e Nelson fica com cara de tacho, salvo por um leve sorriso de canto. Eles não sabem o que perdem, mas, convenha-se, esse tipo de "teste" é da perspicácia de uma paca.

Mas também Nelson dizia muita besteira. "Minha única virtude é conhecer o povo." "Considero a educação sexual uma ignomínia." "O sujeito deveria reservar o corpo para o ser amado." "O feminismo apresenta reivindicações que já foram atendidas." "O povo deve ser amado." Nelson falava em tom deliciosamente oracular, repetindo expressões suas já consagradas, mas seu estilo e persuasão não devem obnubilar o fã.

Curioso é a quantidade de perguntas políticas feitas para Nelson. Claro, o período é de ensaio da abertura democrática, da anistia etc. Todos os perguntadores não disfarçam que são contra Nelson, o reacionário. Nelson se sai bem: "Dizem que sou reacionário porque sou pela liberdade. O não-reacionário é por exemplo o comunista, que não tem liberdade de imprensa nem de greve. O socialismo totalitário é ignóbil". Tudo isso, hoje, parece da era cenozóica. E, no entanto, como era corajosa a posição de Nelson, o que sabem os leitores das crônicas de "O Óbvio Ululante". No balanço final do que Nelson diz, claro, a sensatez predomina.

Na quarta-feira a Cultura apresenta o teleteatro "Vestido de Noiva", de 1974. A direção é de Antunes Filho e a protagonista, Lílian Lemmertz. É um tanto tedioso, como quase todo teatro filmado, mas excelente oportunidade para quem jamais viu montagem da peça.

Na quinta será reprisado o documentário "Nelson Rodrigues: Personagem de Si Mesmo", dirigido por Cristina Fonseca, que reúne depoimentos do próprio Nelson e outros que dão a dimensão da grandeza do autor. "A Falecida", de Leon Hirzsman, que será exibido na sexta, também tenta mostrar a grandeza de Nelson, com uma de suas melhores peças, mas cai um tanto no excesso –e os originais de Nelson não precisam nem um pouco disso. (Daniel Piza)