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Para quem não está entre nós?

Certa vez Oscar Wilde (1854–1900) disse “ Um verdadeiro amigo te apunhala pela frente”, frase que parece apenas uma coisa jocosa e divertida, mas que carrega uma compreensão da realidade profunda, que desconfio ter seu equivalente em outra frase; “A mão que afaga é a mesma que apedreja” de Augusto dos Anjos (1884–1914).

A meu ver é simples a síntese das duas: os que te admiram hoje, são os que vão te derrubar amanhã.

Mas eu vou fazer o contrário aqui: só falarei o pior possível dentro de meu alcance sobre uma pessoa que talvez vocês admirem, de fato, somente no fim desses tempos. Sendo assim, caro leitor e ouvinte, se você está esperando um texto simpático acerca de Elza Soares (1932–2022) vai ser frustrado.

Fique, aqui comigo, por minha própria conta e risco então.

Porque esse texto não será simpático? Porque nada na vida da cantora foi, e agora, com sua morte, essa simpatia que vemos por todos os pontos tem o valor de facadas ou pedradas.

Como assim? Simples:

ESTE TEXTO É SOBRE UM DOS MELHORES SHOWS DE MÚSICA BRASILEIRA JÁ FEITOS E COMO ISSO NÃO ESTAVA RESOLVENDO O PROBLEMA E SOARES.

Que problema?

ORA, O CONJUNTO DE PECADOS INEVITÁVEIS QUE ELA COMETEU EM SUA VIDA: SER POBRE, SER MULHER, SER NEGRA E FINALMENTE, E PIOR DE TODOS, SER UMA TRABALHADORA ORGULHOSA.

“ Pecados” seria um termo religioso, preconceituoso anacrônico e elitista. Exatamente: em nossa sociedade esse tipo de conceito ultrapassado e retrógrado é a base de nossas relações sociais mais bem vistas.

Pois, o   “pecado” é a antevéspera da culpa, contudo é um dos pré-requisitos para o silêncio constrangedor que acalentamos sobre Soares.