Por que revelações privadas?
A revelação pública é o único fundamento da fé católica. Como diz São Tomás de Aquino, «a nossa fé repousa na Revelação feita aos Profetas e aos Apóstolos, que escreveram os livros canônicos, e não em alguma revelação que foi feita a outros doutores».
Por conseguinte, «não importa à Igreja se acredita ou não nas aparições de Brígida e Catarina de Sena, que de modo algum pertencem à fé» (Melchior Cano, De locis theologicis, XII,II,12).
Que sentido têm as revelações privadas ou por que são concedidas por Deus?
O Senhor quer comunicar-se pessoalmente e diretamente com as criaturas por ele livremente escolhidas, a quem quer dar um conhecimento mais profundo e claro dos mistérios contidos na revelação pública e a capacidade de prever o futuro (S. João da Cruz, A Subida, II,25,1) ou a penetração dos segredos do coração humano ou a inspiração para realizar ações úteis tanto para indivíduos como para grupos de pessoas e, pelo menos indiretamente, para toda a Igreja. Isso não significa que essas iluminações tenham sempre um caráter relativo e não canônico e nunca possam se tornar a norma da fé.
Essa exclusão delas do depósito das verdades reveladas não significa que o caráter doutrinário que permeia a revelação pública esteja ausente das revelações privadas. É verdade que as revelações privadas caracterizam-se antes por uma orientação prática e concreta, repetitiva de verdades dogmáticas e destinadas a promover ou apoiar o aumento da vida de ascese e interioridade. Mas, para obter esse resultado pastoral, para despertar interesse e fervor, as revelações privadas insistem em um aspecto particular da revelação pública, destacam-no mais claramente, ligam-no a outra verdade, dissecam o seu poder de caridade, animam-no e personalizam-no, fazendo do mistério o motor, muitas vezes para uma experiência mística ou para uma vida apostólica ou até mesmo para a regeneração cristã de inúmeras multidões. Esses frutos pressupõem a existência e ação de aspectos particulares da doutrina da Revelação divina operando através de formas, sugestões e simplificações propostas pelas revelações privadas.
Por exemplo, existe um vínculo íntimo e providencial entre a teologia bíblica da misericórdia e o amor que Deus manifestou em Cristo aos homens e a devoção moderna ao Coração do Salvador, que pode ser considerada uma expressão histórica dessa teologia. Da mesma forma, não há quem não veja o fio que une a Mariologia com as grandes aparições de Lourdes e a intensa prática sacramental que pode ser observada nos santuários marianos até nos fundamentos da existência cristã.
A Tradição divino-apostólica, que transmite e perpetua a revelação pública na Igreja, «progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer à mercê da contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração (cf. Lc 2,19.51), quer à mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer à mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus. Afirmações dos santos Padres testemunham a presença vivificadora desta Tradição, cujas riquezas entram na prática e na vida da Igreja crente e orante», (Dei Verbum 8).