Houve um tempo em que o silêncio era permitido. Um tempo sem notificações, sem a ditadura da resposta imediata, sem a angústia de estar sempre acessível. Se alguém queria nos encontrar, ligava para o telefone fixo. E se não estivéssemos?
Paciência. O mundo continuava girando sem a necessidade de estarmos sempre conectados.
Fomos a última geração a sentir o cheiro de um livro antes de escolher lê-lo. A última a rebobinar fitas, a soprar cartuchos de videogame, a gravar músicas da rádio com aquele inconfundível atraso no "REC"
. Fomos os últimos a experimentar a espera como uma forma de desejo e não de frustração.
Havia um ritual na forma como consumíamos cultura. Assistir a um filme não era um ato impulsivo, mas um evento. Íamos até a locadora, caminhávamos entre prateleiras repletas de possibilidades, líamos as sinopses e, por fim, fazíamos uma escolha definitiva. Sem trailers automáticos, sem algoritmos nos dizendo o que gostaríamos de ver. Era preciso confiar na própria intuição.
As músicas também exigiam compromisso. Comprar um CD era um ato de fé. Apreciávamos o encarte, decorávamos as letras, aceitávamos as faixas ruins porque elas faziam parte do conjunto
Não existia a impaciência de pular para a próxima. A arte tinha tempo para respirar, e nós, para senti-la.
Crescemos sem GPS, mas aprendemos a encontrar o caminho. Usávamos mapas, perguntávamos aos desconhecidos, confiávamos na memória. Hoje, seguimos trajetos ditados por vozes robóticas e, ironicamente, estamos cada vez mais perdidos.
As fotografias eram objetos reais, impressões de um tempo que não podia ser deletado. Guardávamos retratos em caixas, álbuns, molduras. E quando as encontrávamos anos depois, havia uma mágica intocável naquele instante congelado.
Agora, as imagens flutuam na nuvem, imateriais, condenadas a serem esquecidas entre milhares de outras.
Brincávamos na rua até que o céu anunciasse a noite. Não havia localização em tempo real, apenas a confiança de que sabíamos o caminho de volta.
Andávamos de bicicleta sem capacete, corríamos sem medo de joelhos ralados, trocávamos figurinhas, subíamos em árvores, éramos donos do nosso próprio tempo.
Hoje, as crianças têm tablets e uma infância programada, com horários cronometrados e diversões que cabem em telas.
E então, veio a revolução digital. O mundo ficou menor, mais rápido, mais acessível.
Perdemos a espera, mas também a paciência. Ganhamos a conexão constante, mas nos tornamos mais solitários. Temos infinitas opções de entretenimento, mas cada vez menos capacidade de nos encantar.
Byung-Chul Han alertou: "Hoje, a existência está marcada pela aceleração, pelo excesso de positividade e pelo cansaço. O tempo não se desenrola, ele colapsa."
É isso que vivemos. Um tempo esmagado, sem pausas, sem espaço para a nostalgia se transformar em aprendizado.
Fomos ricos, e não sabíamos. Mas talvez ainda haja tempo.
Talvez possamos resgatar algo desse passado que não tinha pressa. Não para rejeitar o presente, mas para lembrar que a vida pode ser mais do que apenas um fluxo infinito de informações.
No fim, não é a tecnologia que nos aprisiona. Somos nós que escolhemos ser prisioneiros dela.