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Nazaré, 22 de março de 2023

A antiga lota da Nazaré é um dos mais emblemáticos edifícios da nossa terra e um local onde, tal como tantos outros nazarenos, passei tantas horas na infância, pelo que me diz muito. Tenho memórias lívidas daquele espaço, especialmente porque era muito pequeno, mas recordo-me bem de apreciar a minha avó Manuela a gritar “chui” quando via uma caixa que lhe interessava e de receber o talão do vendedor através de uma cana... De seguida, esgueirava-me pela bancada, passando pelas mulheres da praia que ralhavam e brincavam umas com as outras, para chegar ao pé dela, ficar com o talão e subir ao 1º piso para tratar do que faltava para que a minha mãe Lúcia ou a minha tia Mariana pudessem recolher o peixe lá fora e seguirem para a cabana. Quanta responsabilidade! O espaço era um verdadeiro anfiteatro e toda a operação parecia saída de uma peça de teatro, com o peixe a entrar em lotes por um buraco na parede e a atravessar a passadeira, para que as compradoras pudessem escolher o que lhes interessava. Foram tantas as tardes ali passadas, a brincar e a correr lá em cima, junto aos varandins, com os meus amigos de infância, especialmente o Júlio Estrelinha e o Nélson Hilário, que eram vizinhos da casa da nha avó e parceiros de todos os dias. Com a inauguração do Porto de Abrigo, e após três décadas de serviço, aquele edifício, de uma traça única e painéis de grande beleza do artista Galhardo, ficou sem utilidade, até ser recuperado como Centro Cultural, opção que perdura até aos dias de hoje. A lota mudou de localização, modernizou-se e procurou facilitar a vida dos compradores, mas confesso que perdeu algum encanto. Ou, então, sou mesmo eu que sou saudosista, caro ouvinte. Podia ser pior…