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Nazaré, 14 de março de 2023

Por razões afetivas, a secagem do peixe é algo que me diz muito. Há quem pomposamente chame àquele local estendal de peixe e até outras coisas que me custam reproduzir, mas para mim, que desde pequeno apreciei a arte da minha avó Manuela e de outras peixeiras a lidar com os paneiros, aquele espaço mítico chama-se, pura e simplesmente, estindarte. Ponto final. E o que gosto é mesmo de comer carapau seco assim, sem mais nada. O enjoado não me atrai tanto, embora tenha também muitos adeptos confessos. Do que me lembro, no último meio século o estindarte já mudou, pelo menos, duas vezes de localização no areal e também de aparência, mas a essência da arte continua a mesma e o impacto que cria nos palecos e nos turistas também. Alguns torcem o nariz, desconfiados; outros rendem-se ao sabor e às qualidades do peixe seco. Há muitos, muitos anos, pensei enveredar pelo empreendedorismo e criar um negócio de peixe seco com a minha mãe e avó. Julgava eu ter alguma capacidade para promover e valorizar a secagem do pescado e valorizar o negócio de família, mas outras prioridades se levantaram e a ideia não passou de um logótipo no computador. Anos mais tarde, assisti, com regozijo, ao projeto Maria da Nazaré, que nasceu pela mão daqueles que considero família, pois foram e são muito mais que vizinhos na Rua das Abegoarias. O Samuel e a Inês juntaram forças, criaram uma embalagem, recorreram ao agora tão falado storytelling e lançaram-se à aventura, na companhia da progenitora, a minha querida Isaura. O projeto consolidou-se e evidenciou que há caminho para o bom e diferente que a nossa terra tem. No passado domingo, a Inês foi distinguida na gala da Semana Arte Mulher. Com ela foram distinguidas também todas as mulheres que, ao longo de mais de um século, ajudaram a preservar esta tão bonita tradição.