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Nazaré, 9 de março de 2023

As ruas da Nazaré, estreitinhas e quase todas em direção ao mar, são uma das imagens de marca e também um dos aspetos distintivos da nossa terra. Durante anos, o casario branco em articulação com a praia e o mar criaram os ingredientes para um dos postais ilustrados do nosso país. Mas fizeram mais que isso. A própria disposição das casas, milimetricamente construídas e deixando apenas umas esquininhas para aceder às ruas, gerou as condições de proximidade que também nos tornavam um povo diferente. Nos tempos mais antigos, a partilha era uma constante. Quem precisasse de um pedaço de carvão ou um pacote de arroz sabia que podia, quase de forma literal, entrar pela casa dos vizinhos. E nem era preciso fechar a porta à chave, pois o sentimento de comunidade controlava quaisquer excessos. Recordo-me, em criança, de ir muitas vezes ao recado à minha avó Diamantina, deslocando-me, invariavelmente, ao Zé Lourenço para comprar alguma coisa que faltasse em casa. Por vezes isso acontecia ao almoço, o que me causava embaraço, pois, afinal, havia uma família que estava à mesa e tinha direito a uma refeição descansada... Mas lá ia eu, irrompendo pela loja, recolhendo o sal, a pimenta ou outra coisa qualquer que a minha avó me encomendasse. E nem precisava levar dinheiro. Bastava gritar à Rosa para meter na conta e ela nem sequer saía da cozinha. Éramos quase família, pelo menos era assim que via as coisas. Hoje em dia temos supermercados e hipermercados com tudo o que é preciso. Mas perdeu-se aquele encanto de nos conhecermos uns aos outros, o tal comércio de proximidade, que tornava tudo muito mais especial.