Famalicão, 15 de março de 2023
Muitos nazarenos não saberão, mas o Porto de Abrigo da Nazaré, um anseio das nossas populações durante muitas décadas, foi construído na freguesia de Famalicão e obrigou a mudar a foz do rio Alcoa. Conhecido por Porto Santo, porque nunca negou a barra, este era um equipamento necessário e que foi adiado pelo Estado Novo durante muitos anos, decisão que fez com que muitos pescadores da nossa terra perdessem a vida durante a faina. Mortes que poderiam ter sido evitadas. Antigamente, o inverno tinha longos meses e, por vezes, tornava-se num verdadeiro inferno, obrigando as companhas a enfrentar a fúria do mar para providenciar o pão na mesa. Salazar foi um dos grandes responsáveis pelo adiamento da construção do Porto de Abrigo, optando por fazer esse investimento em Peniche, originando, de resto, um fluxo migratório interno de grande relevo. Aliás, quantos de nós não têm primos, tios ou avós a viver em Peniche? O crescimento que agora aquela cidade evidencia, com indústria pujante e ensino superior, podia estar hoje na Nazaré. Mas tudo tem um histórico e, em tempo devido, o Estado Novo optou, de forma consciente, por preservar a imagem icónica da nossa terra e do combate dos homens e mulheres com a natureza. Aliás, hoje sabemos que, nas décadas de 1950 e 1960, Portugal contratou agências norte-americanas para fazer campanhas de fotografia no nosso país, nomeadamente na Nazaré. E por cá andaram nomes como Stanley Kubrick, entre outros, que ficaram maravilhados com este pedaço de natureza selvagem em plena Europa. A construção do Porto de Abrigo só ficaria decidida após o 25 de Abril e com financiamento da Alemanha. Mário Soares ficou ligado à obra, primeiro porque fez o anúncio oficial do arranque dos trabalhos em 1977 e porque, seis anos depois, era novamente primeiro-ministro aquando da inauguração. E tornou-se um herói para os pescadores, para as peixeiras e para a nossa comunidade. É normal que assim seja. Afinal, se não nos esquecemos de quem nos faz mal, também sabemos ser agradecidos a quem nos faz bem.