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"A gente não precisa gostar de todos os lugares que visitamos, certo?" Pois, The Cotswolds definitivamente não foi meu "cup of tea". 

Faz anos que queria conhecer a região. As casinhas, as estradas apertadas, os vilarejos charmosos. Tudo me parecia a quintessência de uma Inglaterra idealizada por aqueles que não habitam/nasceram aqui - eu me incluindo na primeira fileira.

Lá fomos nós! Começo de Abril, um cheiro de primavera no ar. Chegamos, almoçamos em um pub maravilhoso no meio do nada. A comida estava deliciosa (dica no Raphinadas em breve). Tudo tão bucólico! Todos bem vestidos, charmosos com cachorrinhos fofos a tira colo. Eu pensando: "Que charme!" mas com uma pontinha de desconforto no cantinho do coração.

Partimos para a explorar os 300 mil vilarejos charmosos da região. Começamos com Buford. Cidade cheia, um comércio todo voltado para o turismo. Não tinha muito o que fazer. O vilarejo consiste em uma rua, digamos assim. Entramos em alguns antiquários, e já na terceira loja tomei meu primeiro choque. Tudo 4, 5 vezes mais caro que no Peak District, por exemplo. The Cotswolds baby! É chic, é caro. Fiz uma nota mental de não focar nesse tipo de atividade. 

"Certamente que tem muito mais para se fazer por aqui." Insisti mentalmente. Passeamos, comemos, paisagem maravilhosa… e o desconforto continuava ali. Nesse ponto já tinha decidido parar com drama "primeiro mundista" e aproveitar o privilégio de estar em um lugar incrível. 

Chegamos em Cheltenham e ficamos totalmente embasbacados com a arquitetura da cidade. Prédios Georgianos, fontes italianas, gente de bicicleta, comércio forte, universidade linda. Eu pensei: nossa! Deve ser bom morar aqui… não fosse essa sensação de incômodo que não sai de mim. Aff! Já estava tão culpada e irritada comigo mesma.

No segundo dia, acordei no “mode determinação”. De modo algum, iria deixar minha resistência atrapalhar o momento. Eu vou aproveitar esse canto da Inglaterra de qualquer jeito! 

Confabulando comigo, pensei: talvez a gente esteja focando demais nos vilarejos. Vamos fazer umas caminhadas também. Explorar a natureza!

Martin topou na hora. Nesse momento ainda não havia falado sobre a minha resistência com a região. Lá fomos nós! Caminhamos, nos perdemos. Visitamos Bourton-on-the-Water, Broadway, Chipping Campden etc. 

"It's a thing of beauty!" É inegável. The Cotswolds é um destino fascinante, gente! Uma beleza bucólica e perfeitinha. Tipo cidade de boneca. O problema era a viajante, não o destino. "novidade do século!" E as pedras levemente amareladas das casas? Lindo demais. Já disse isso, não? Mas as flores, os córregos, as pontezinhas, os patinhos, os pubs… é especial.

Enquanto isso, na minha cabecinha perturbada, eu ia me sentindo mais presa a cada momento. Queria a minha casinha. Bem imperfeita, no meio do caos londrino. Logo, eu que nunca sou a que sofre de homesick. É assim que a gente se sente? Era esse o meu incômodo?

Pois bem, em uma das caminhadas, em um dos vilarejos cheio de gente feliz tomando sorvete caseiro, o Martin soltou essa: ainda não consigo colocar o dedo do por quê esse lugar não me emociona. 

"Ah, que alívio!" eu disse. No meio de toda aquela perfeição, me senti livre para não gostar. Vai que é tua, Rapha, investigue. E eu perguntei: 

* Você acha que é porque estamos apaixonadinhos pelo Lake District?

* Não. E lá estava tão cheio de gente quanto aqui…

* As pessoas pareciam mais despretensiosas.

* Verdade.

* Talvez seja porque lembra Cambridge, e a gente passou por tanto problema lá que agora estamos rejeitando tudo que lembra essa fase da nossa vida?

* Não acho, não - respondeu, mas ficou intrigado.

* Aí, não sei então. Será que é porque tudo aqui parece meio disneyland dos posh beautiful people londrinos?

* Um pouco (rindo) Mas você adora visitar uma mansão, uma aristocracia rural inglesa, certo?... Isso não faz sentido.

* Bom, gosto de ver os resquícios da aristocracia. Como algo do passado, morto e aniquilado. “God bless the revolution". de qualquer modo, eu não acho que seja sobre isso.

* Eu vinha aqui quando era criança, está tudo me parece muito comercializado, e as casas parecem "holiday homes" mais do que casas de verdade.

Fiquei com essa última explicação.

Os dias seguintes foram adoráveis, mas continuei pensando sobre o assunto sem conseguir entender como podia achar um lugar tão charmoso, mas sem nenhum tesão.

A novidade foi que passei a achar o desconforto instigante. A minha culpa católica, politicamente incorreta, por não me interessar por algo que tinha a expectativa de amar me pegou de jeito. Conclusão: idealizar é sempre uma bosta, não é mesmo?

Parei de tentar explicar o por quê da falta de tesão, e comecei a curtir o fato da minha alegria estar parando em outros cantos da Inglaterra. Tá tudo certo por comigo, e tudo melhor ainda com The Cotswolds. Puro charme e vai fazer muita gente feliz. 

No último dia, reparei na quantidade enorme de casais passeando também (Romantic destination). Eu acho que estavam brincando escolher casa. Um dos melhores passatempos nesse tipo de viagem. Eu, por outro lado, já estava contando os minutos de voltar para a minha. Essa realização foi o melhor presente que The Cotswolds podia me dar.

And off we go!



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