"Não é sobre quem você querser, mas sobre quem você de fato é"
Essa, minha gente, é uma lição que faço muita força para esquecer… quase todos os dias.
Eu juntei os pedaços dessa bendita frase em uma das minhas sessões, e agora, volta e meia, ela chega junto para me dar um oi e dizer: não esquece de mim.
Eu vou te contar, prefiro a vida quando colocamos a lupa em cima da gente, mas o preço é caro. Além disso, os delírios marqueteiros que nos são apresentados são tão distrativos, não é mesmo? E quase sempre tão convenientes…
Às vezes eu me surpreendo: de onde vem essa minha persistência em lembrar dessa frasezinha aqui em cima?
Vocês já pensaram o tanto que introjetamos de ideais de auto-aperfeiçoamento e como nos ocupamos pouco de nos desvendarmos? Sério. Quantas vezes você para pra pensar sobre quem você de fato é? Lá no fundinho. Lá no fundão.
Faz uma comparação aí do quanto tempo da sua vida é dedicado a buscar soluções para suas supostas falhas e quanto você dedica para realmente olhá-las? Pois, a minha questão é: a gente olha tão pouco as nossas "falhas", que já nem sabemos mais onde elas estão ou a natureza delas. São elas falhas?
Vou contar uma historinha.
Não muito tempo atrás, eu tentei acordar às 5am por uma semana. Depois de esbarrar com o vigésimo livro, documentário, ted talk sobre o assunto, achei "genuinamente" (contém ironia) que seria uma boa ideia fazer esse experimento.
Eu gosto de pequenos testes empíricos. Não por ser uma oportunidade de me aperfeiçoar - ou seja, ficar mais produtiva, mais grata e 'no controle' -, mas para criar momentos para o tal desvendamento.
A verdade é que, descartando as experiências que de cara não estou interessada, eu realmente acredito que só se sabe de algo ao se testar na prática e com método.
E lá fui eu.
Só para deixar bem claro, para mim, estava óbvio já de início, a ideia de auto-aperfeiçoamento mequetrefe por trás do discurso dos mocinhos matinais.
Mais uma vez, o que se vendia - além de muitos livros e palestras - era a noção de que existe uma "falta", uma "falha" na nossa rotina (existência), e eles teriam a solução. "Vejam os exemplos, as provas!" "Acordem às 5am, e coisas mágicas acontecerão". É um jogo perverso com as nossas inseguranças.
No entanto, testar algo tão diferente foi tentador.
Eu tendo a querer experimentar algo novo nas áreas da minha vida onde eu não tenho uma 'rotina' ou um 'set' estabelecido com clareza. Por exemplo, experiências na área de moda ou estética não me interessam muito, pois tenho bastante clareza sobre quem sou nesses departamentos. Hábitos e rotinas cotidianas não eram o caso.
Depois de uma semana acordando às 5am, o resultado da experiência foi um fracasso absoluto. Eu passei a maior parte do tempo, ou lutando contra o sono ou o cansaço. Sem entrar em muitos detalhes, o mau humor estava em níveis alarmantes. Eu passei 7 dias, me observando de perto, querendo desistir de tudo, e não gostando do que estava vendo sobre mim.
Em resumo: mesmo com uma série de ajustes que poderiam ser feitos, resolvi dar a investigação por encerrada. Eu não sou uma 5am person, e coisas extraordinárias não aconteceram.
A boa notícia é que vislumbrei coisas. O tal do desvelamento, sabe? Aconteceu um pouco disso. Uma semana madrugando me fez entender algo fundamental, não tanto sobre produtividade, mas antes sobre perspectivas e escolhas.
Eu explico.
A primeira coisa que percebi foi sobre perspectivas.
Quando trata-se do reino dos autos: auto-observação, auto-ajuda etc. o melhor é trocar o telescópio pelo microscópio. Não é fácil, mas em vez de olhar para um ideal distante e estelar da sua existência/rotina (whatever), pegue o microscópio e comece a dissecar as suas vísceras.
Aí você pode brincar com qualquer experimento porque o meio de observação será adequado.
Não é simples, mas aos poucos a gente vai se aprimorando. Comece mudando as perguntas. "Em vez de o que eu posso fazer para melhorar isso?" experimente o "como estou me sentindo?"; "Por quê?" "Esse sentimento está ligado a alguma situação ou algo anterior?" (geralmente está. Fica a dica)
Eu acordava de madrugada e, em vez de focar na minha rotina, eu me concentrava no meu processo interno ao fazer meus afazeres. Sentia raiva? Mas era raiva do quê e por quê? Se eu me propus o desafio, por quê então estou me sentindo…?
Foi um experiência interessante de levar para análise. Let me tell you.
O meu segundo "desvelamento" - vamos usar essa palavra porque estou gostando dela - foi sobre escolhas.
Porque estava colocando uma lupa e observando meus hábitos especificamente antes de dormir e ao acordar, pude compreender com clareza que as minhas opções sobre o como levo a minha vida noturna afeta a minha vida matinal e vice-versa. E… muito mais do que isso, entendi um pouco mais sobre o que me enche de vida na hora de acordar e na hora de dormir.
Eu sei… é bem óbvio isso, eu sei. Mas vamos colocar um microscópio aqui.Escolher acordar às 5 da madrugada significa dormir cedo, no meu caso, entre 8 e 9 da noite. Já de início, entendi que cortar horas de sono não era uma possibilidade. Eu preciso das tais 8 horas. Sem elas, eu não funciono.
Bom, e o que acontece normalmente no meu dia nesse período da noite, digamos, entre 6pm e 10pm? Na hora que supostamente deveria estar indo dormir para ser a tal da 5am person?
Ah, esse é o sal do meu cotidiano! É quando janto com meu parceiro, vejo os meus filmes, leio literatura, converso com a família e amigos.
Eu não vou abrir mão disso para acordar cedo e ser uma 5am super produtiva! #Escolhas.
Também entendi que sou extremamente produtiva e eficaz não num horário determinado, mas em condições específicas. Eu preciso estar descansada, fora da minha rodinha viciosa de pequenas tarefas e, especialmente, em um ambiente… silencioso. Eu amo produzir quando todos estão dormindo. Para mim, não faz diferença alguma se for “já” ou “ainda”, como diria Calvino*, desde que eles estejam nos braços de morfeu.
*significando já dormindo ou ainda dormindo
Eu tenho certeza que deve ter outras milhares teorias para me ensinar a ser mais produtiva, seja no meio da multidão, nos horários adequados, seguindo preceitos budistas. Daí, eu teria mais tempo livre para dormir cedo e ser mais perfeita, completa e inteira! Tudo isso, começando antes de todo mundo às 5am, vencendo a corrida para se chegar sabe lá onde. Talvez até a morte? (just guessing)
Vocês percebem que essa equação apenas não funciona? Nós somos seres particulares e únicos. Quando a gente se apequena a uma fórmula simplista invariavelmente terminamos com pânico, ansiedade, etc.
O problema é que não é sobre quem eu quero ser, ou quem o mundo quer que eu seja, no final das contas, é só sobre quem eu sou.
Primeiro de tudo, eu SOU uma pessoa que se irrita com essas baboseiras (risos). Depois, sou uma pessoa extremamente feliz quando estou na minha cama, o mundo quieto, e eu produzindo os meus trabalhos. Às vezes isso acontece às 7am, às vezes lá pelas 11pm - definitivamente não às 5 da manhã. Resumo: não é horário, são às condições.
Esse experimento me 'desvendou' como uma pessoa que gosta de noitadas e madrugadas no meu refugio, eu comigo mesma - o Martin e os gatos estão convidados, mas eles dormem cedo. ;)
Agora, a lição fundamental mesmo é realmente entender o quão importante é a gente SE colocar no microscópio para nos enxergarmos.
Sobre não ser uma 5am person? Eu acho que entendi onde estava o cerne da questão e, de fato, não era sobre acordar cedo. Agora, não estranhem se um dia eu a escrever um livro chamado 10pm rule.
Mama gotta pay the bills!
Imagem: Woman Holding a Balance, oil on canvas by Johannes Vermeer, c. 1664; in the National Gallery of Art, Washington, D.C.