
De todas as pessoas que conheço, sou a que mais gosta de cachorros, apesar da minha mãe ficar quase ali comigo no primeiro lugar.
Tudo começou quando eu tinha uns 2 ou 3 anos e meus pais me deram o Pitoco, um dauchshund (salsicha, né?) pretinho.
O Pitoco foi meu primeiro grande amigo, o primeiro ser que me ensinou sobre responsabilidade afetiva, antes mesmo do Pequeno Príncipe: se alguém gosta de mim, devo respeitá-lo mais do que a mim mesmo. Tudo bem que até hoje dou cabeçadas, mas a primeira lição veio do Pitoco e não irei reproduzi-la nesse momento por não estar disposta a chorar agora.
Logo após o Pitoco veio o Banzé, um salsichinha caramelo, irmão de outra ninhada do Pitoco.
Em razão de uma briga com os dálmatas da vizinha, o Pitoco não resistiu e morreu quando eu tinha 9 anos. Minha primeira grande perda. Minha primeira grande tristeza. Minha primeira grande lição sobre a vida.
Muitos cachorros vieram depois do Pitoco e também do Banzé, no que eu chamo de uma primeira fase: o Faro, um fila brasileiro amarelo; o Banzé II, uma mistura de cocker e vira-lata; o Caco, também cocker com vira-lata (mesma mãe do Banzé, que pelo jeito gostava de um malandrão, já que os dois eram de ninhadas diferentes); o Corman (Corínthians e Mangueira), um fila cinza lindo de morrer; o Viola, um filho de fox com cocker e o Chang, um shar-pei amarelo legítimo.
Digo que essa foi uma primeira fase porque esses cachorros todos me lembravam da perda do Pitoco. Durante anos eu me obriguei a não me afeiçoar a eles (não que eu tenha conseguido, já que gostava demais de todos eles), pois sabia que um dia eles me deixariam e eu iria sofrer tudo de novo. Seguindo essa minha lógica (covarde e inútil), quando eu percebia que estava amando demais, fugia.
Foi nessa primeira fase que me mudei de Sorocaba para São Paulo, passando a morar sozinha. Depois de alguns anos, o que aconteceu? Claro, senti uma falta imensa de cachorros e arranjei um cão de apartamento: o Zeca, um poodle branquinho.
O Zeca não fez reaparecer o meu amor pelos cães porque na verdade ele nunca foi embora, mas o Zeca tornou o meu sentimento mais corajoso: eu amava os cachorros e a partir de agora sofreria por eles o quanto fosse preciso, impedindo que o medo me privasse de viver momentos maravilhosos. Algo parecido com outros amores que temos na vida, não?
A partir daí fiquei tão corajosa que não bastasse minha casa em Sorocaba já estar habitada nessa segunda fase pelo Tobias, um buldogue fofo, pelo Fubá, um labrador amarelo e pelo Branco, um labrador preto, eu arranjei uma família na rua: Aurora, uma vira-lata especial e adorada, mãe do Achado, da Bionda e da Morena. Na verdade, levei a Aurora com a ninhada apenas para curá-los da sarna e da desnutrição, mas a paixão, o amor e o orgulho que me deram não me permitiram vislumbrar a possibilidade de outra família para eles. Ninguém os amaria mais do que eu.
Depois deles cuidei de vários outros vira-latinhas da rua: uma ninhada de 5, dentre os quais 2 foram doados, 2 morreram (que choradeira) e uma ficou em casa, a Matilda. Depois dela vieram a Sasha, das ruas de São Paulo (mas foi minha mãe quem a levou); a Belinha, a Sara e a Nina, todas doadas; a Juju, também doada; o Dingo, doado; o Bento, a Menina e a Boneca (também minha mãe - eu fiz escola), que estão em casa hoje; o Madruga, na empresa, sem mencionar aqueles para os quais arranjei um lar e nem mesmo fiquei sabendo o nome.
Hoje em Sorocaba são 13 cães no total, fora o Ulisses e a Penélope que moram comigo e costumam passar os feriados e as férias na casa da "vó".
Todos esses cachorros e cachorras que já passaram pela minha vida, cada um a sua maneira, fizeram e fazem de mim uma pessoa melhor. Assim como a vida só tem valor com a morte, acredito que só nos damos conta da nossa humanidade quando convivemos e respeitamos um ser não-humano.
Olhar nos olhos desses bichinhos, perceber sua dignidade e sinceridade, aceitar o seu amor e respeitar seus sentimentos faz com que sejamos maiores e melhores.
O homem convivendo só com seus semelhantes passa a crer que é o dono da natureza e tem a certeza de que o mundo existe só para satisfazê-lo. Precisamos desses serezinhos ditos não racionais para nos ensinar sobre a nossa humanidade.
Mais um delicioso paradoxo da vida.
Lu Gerbovic

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