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São 07h50 da manhã.

Saio de casa, num condomínio fechado a 25 km de distância da capital de São Paulo, rumo ao escritório, na esperança de lá chegar uma hora depois.

Coloco a bolsa embaixo das pernas, o que me causa certo desconforto, ao mesmo tempo em que me dá a sensação de poder dirigir um pouco mais segura pelas marginais de São Paulo.

Ligo o rádio, a fim de saber se entro em São Paulo pela Marginal Pinheiros ou Tietê e eis o que ouço: já são 72 os policiais e agentes carcerários mortos em confronto com o crime organizado nesse último final de semana.

Os criminosos, há muito mais organizados do que nossa polícia, seja ela civil, militar ou federal, começaram a rebelião atacando bases policiais e estenderam esses ataques a agências bancárias e empresas de transporte público, que eu imagino ser de alguma serventia para amigos e parentes desses criminosos, mas não se trata aqui de entender essa lógica.

Antes mesmo de ouvir a notícia atualizada da rebelião, eu já estava preparada para enfrentar minha luta diária: vias urbanas completamente congestionadas; motoqueiros raspando seus pés e espelhos laterais das motos no meu carro, enquanto eu penso se serei ou não assaltada; pessoas desconhecidas se xingando mutuamente logo pela manhã; motoristas furiosos jogando seus carros contra o dos outros e motoqueiros estirados no meio do asfalto, mortos ou semi-mortos.

Hoje, porém, percebo que a batalha terá novos elementos, pois o caos se espalhou pela cidade. No rádio, é a vez do ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo dizer: “está na hora de revermos nosso sistema carcerário e a lei de execução penal”. Está na hora? Foi isso o que ele disse? Essa hora passou faz tempo e não é possível que eu seja a única a perceber.

Olho para os lados, à procura de cumplicidade nos outros motoristas, mas não vejo nada além de vidros escuros totalmente fechados e não ouço nada mais que buzinas tocadas por motoristas estressados. Estou só.

Entro numa via paralela à estrada Castelo Branco, que me dá o privilégio de andar a 120 km/h (contra 110 km/h da antiga via) e cortar um pouco do trânsito. Para tanto terei que desembolsar R$ 5,40.

Ao entrar na chamada “marginal pedagiada” um luminoso: “São Paulo pede paz”.

Essas quatro palavras ficam gravadas na minha mente e eu me pergunto qual será a eficácia desses dizeres. Terá esse luminoso algum efeito sobre as pessoas? Não precisamos nos esquecer dos afazeres do dia e ir para as ruas pedir paz? Até quando viveremos essa guerra em silêncio?

Continuo olhando para os lados à procura de amparo, mas sou fechada pelos motoristas apressados que precisam, assim como eu, chegar no escritório e trabalhar no mínimo 9 horas por dia em troca de um baixo salário.

As pessoas não têm tempo de ir para as ruas. Ninguém está preocupado com as famílias dos policiais que morreram. Parece não haver ninguém se importando com essa guerra. Repito: guerra!!!

Um dia prometi a mim mesma que eu nunca me permitiria perder o meu poder de indignação.

Mas hoje me sinto só.

Só com meu poder de indignação.


Lu Gerbovic

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Esse áudio está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
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