A relação entre cientistas e jornalistas, entre investigadores e comunicadores é uma relação de amor-ódio.
Os cientistas tentam sempre chegar à descoberta que sonham revolucionar o mundo. São escravos do método e adoradores do rigor absoluto.
Nem que para isso tudo se diga com tal complexidade que só eles entendem.
Os jornalistas, pelo seu lado, buscam a história que vai fazer a próxima manchete.
E confrontados entre o rigor absoluto e a máxima comunicação, tendem as escolher a simplicidade radical.
É bom de ver que apesar de precisarem uns dos outros para que a ciência e o conhecimento chegue mais longe, a relação tem alguma tensão.
No meio desta batalha estão os comunicadores da ciência,
Uma espécie de tradutores da complexidade dos cientistas e advogados. Da simplificação quase absurda da comunicação para o grande público.
Uma edição para se falar de histórias e factos, mitos antigos e pós-verdades.
E de desvendar finalmente porque são tão poderosas as histórias, mesmo aquelas que contrariam a mais elementar evidencia científica.
Sara Sá é hoje comunicadora de ciência. Mas traz a bagagem de 20 anos de jornalismo. Além disso, começou por estudar engenharia espacial.
Hoje, no Pergunta Simples, falamos de ciência, de jornalismo e de boas histórias. Ou melhor, falamos de como se conta uma boa história. E para isso, quem melhor do que Sara Sá?
A Sara é jornalista, ou foi jornalista, é comunicadora de ciência e alguém que passou os últimos 20 anos a contar histórias sobre saúde, ciência e inovação. Agora, trabalha no INESC- ID, onde ajuda cientistas a comunicar melhor o que fazem. Mas a essência do seu trabalho continua a ser a mesma: procurar a lógica que faz uma boa história funcionar. Como rigor, e simplicidade. Mas sempre uma boa história.
E isso leva-nos ao primeiro dilema da conversa: o jornalismo e a ciência são amigos ou inimigos? De um lado, os jornalistas que querem simplificar, traduzir conceitos complicados para toda a gente perceber. Do outro, os cientistas, rigorosos, meticulosos, nem sempre muito pacientes para explicar os detalhes. Durante muito tempo, estes dois mundos desconfiaram um do outro. Mas hoje, mais do que nunca, precisam de trabalhar juntos.
O problema é que, no meio disto, há sempre um risco: até onde se pode simplificar sem deturpar? Como se pode contar uma boa história sem perder o rigor? A Sara diz que o truque está na coerência e na lógica. Se um argumento não faz sentido, se um mito não bate certo, o cérebro dela dispara um alerta. E esse radar já evitou muita asneira.
Depois, claro, falamos de inteligência artificial. No INESC, a Sara acompanha projetos que aplicam IA à saúde, como o Halo — um sistema que ajuda pessoas com doenças graves que impedem a fala a voltarem a comunicar, recriando digitalmente a sua própria voz.
A IA está a transformar tudo, mas será que sabemos mesmo o que estamos a fazer? A Sara diz que há dois tipos de pessoas neste debate: os otimistas, que veem a IA como uma ferramenta incrível, e os pessimistas, que acham que estamos a brincar com fogo. No INESC, onde se trabalha com os conceitos de base da IA há mais de 25 anos, a perspetiva é clara: é preciso separar o mito da realidade.
E, já que falamos de mitos, entramos num dos temas mais divertidos da conversa. Será que só usamos 10% do nosso cérebro? Será que o frio causa constipações? E, já agora, será que fazer sexo queima tantas calorias como um treino no ginásio? (Alerta expectativas: não, exceto caso estejamos a fazer algo mesmo muito inovador. E atlético. )
A verdade é que adoramos acreditar em histórias simples. E é por isso que os mitos sobrevivem. Porque encaixam bem, porque explicam o que não conseguimos entender e, muitas vezes, porque dão jeito a alguém. Como aqueles cursos que te prometem desbloquear os outros 90% do seu cérebro.
A Sara escreveu um livro sobre isto — Cem Mitos, Sem Lógica — onde desmonta estas histórias com ciência e bom humor. Mas o problema das fake news e da desinformação vai muito além dos mitos do dia a dia. Com a IA generativa, os vídeos e áudios falsos tornam-se cada vez mais convincentes. Como nos protegemos disso? Como ensinamos os mais novos a distinguir o que é real do que é falso?
No final, a conversa com a Sara Sá é sobre como percebemos o mundo à nossa volta — seja através do jornalismo, da ciência ou das histórias que escolhemos contar.
As boas vitórias têm sempre que começar bem, forte, de forma direta ou enigmática.
Podemos contar logo o fundamental na primeira linha ou deixar correr a narrativa oferecendo novos dados.
Se começar bem é crítico para que nos ouçam, fechar bem é garantir que ficamos na memória dos outros. Pode ser uma frase que ressoa. Pode ser um riso franco.
Nem precisa de ser explicado. É universal. Tal como as grandes histórias.
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO
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A Sara Sá, jornalista, comunicadora de ciência, tem passado a tua vida nos últimos 20 anos, pelo menos na visão do jornalismo. E agora tratar de comunicação de saúde. E isto é mais ou menos uma uma conversa entre entre, entre juristas reformados nem reformados ainda não saudosistas de vista, saudosistas do jornalismo nacionais.
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Tens saudades do jornalismo? Sim e não. Eu fui muito, muito feliz no jornalismo e não consigo imaginar outra profissão que me fizesse tão feliz e que me trouxesse tanto que me enriquecesse tanto. No entanto, penso que o meu trabalho, minha missão, está cumprida e sou feliz no que está a fazer e, portanto, saltamos a seguir para para fazer.
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Agora, neste momento, estás numa instituição chamada INESC e vê o nome sexismo lá já lá vamos e escrever isso que é escrever te um curioso livro de que vamos falar que são sem mitos, sem lógica, como se a lógica contasse a lógica que conta para contar uma boa história. Para mim é essencial. Aliás, eu acho que não tenho um defeito, É quase uma compulsão.
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Se uma história não tem lógica, eu fico completamente orientada. É uma coisa que me perturba mesmo e tenho dificuldade em lidar com a falta de lógica, com o défice de lógica. Isso é que se eu tenho coração cientista, para as pessoas que não sabem, é o meu cérebro cientista, eu diria tudo. Escolhi isto estudar engenharia aeronáutica, aeroespacial e oficial espacial da Primeira Turma da Aeroespacial.
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O que que deu na cabeça e deu pouco na cabeça, porque foi e foi coração. Aí foi uma decisão muito mais emocional do que propriamente racional, porque eu gostava de espaço, de astronomia, de estrelas, dos programas do Carl Sagan e tinha muito boas notas, o que pode ser uma vantagem, mas no meu caso, acabou por ser um problema que eu podia escolher praticamente do que quisesse e isso foi difícil de gerir e acabei por entrar para este curso.
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Ao escolher este curso, porque era novo, abriu naquele ano e porque havia essa magia do espaço para mim, da astronomia, de ver estrelas como o meu pai, de ver os eclipses quando era miúda no terraço de casa. Portanto, nada, nada do que estou a dizer é muito racional e completamente emocional. E o que é que se aprende num curso?
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Olha se muito pouco de astros e essa foi a minha decepção. O curso é muito mais sobre mecânica e aerodinâmica e propulsão e termodinâmica e matemática e física e química do que propriamente astronomia. Aliás, não tem nada de astronomia. Aprende se o que aprende se como fazer aviões, Como é que os aviões voam, como é que se controlam aviões?
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No fundo, é um curso muito parecido com engenharia mecânica, sendo que a mecânica está mais virada para os carros e outro tipo de máquinas é o era espacial, está virado para aviões e é aeronave. Outro tipo de aeronaves é foguetões e satélites e portanto podia estar agora neste momento a trabalhar para o senhor, mas quer construir para aí uns foguetões para o dia a dia E por acaso acho que não tenho nenhum colega ou colega no México, mas tenho colegas na Agência Espacial Europeia.
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O número base e empresas do setor. E ainda me fascina aquela ideia de não ser só uma vez, de fazer o céu e as estrelas. Sim, já percebi que sim, mas se calhar não. Não. Mecânica da coisa não é Também se calhar já não de uma forma tão romântica. Hoje em dia vejo o espaço mais como um setor comercial de grande crescimento, de crescimento exponencial, económico e de atração de talentos.
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Mas acho que perdeu um bocadinho daquela magia que eu acho que não só sentimos quando somos adolescentes e jovens inconscientes. Depois foste encontrar esse fascínio. Quando vens fazer jornalismo? Sim, o que conta no jornalismo que fizeste muitas vezes? Jornalismo de saúde. Fizeste muito jornalismo de ciência também a procura de como é que se conta uma boa história. Eu acho que a história no jornalismo, ou melhor, no jornalismo de ciência, de saúde, existe ou tem o poder de captar a atenção, porque tipicamente os temas de saúde e de ciência são complicados, como são os da economia ou até os da política, que uma história, uma boa história ajuda.
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Ou pelo menos era assim que eu via, ou ainda hoje o vejo, ajuda a captar a atenção do leitor. Nós somos viciados em histórias, mas nós crescemos e a nossa evolução dependeu da nossa capacidade de contar histórias. E em pequeninos nós é assim que aprendemos a linguagem simples vinculamos. É assim que aprendemos na escola através da história. E eu penso que para os adultos se mantém.
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Isso é uma boa história. Ajuda nos a fazer passar depois aqueles temas mais complicados ou aqueles conceitos mais complicados, de uma forma a prender o leitor. Mas sendo que gosta de contar uma boa história, comer uma vez, funcionar sempre bem, um personagem, um herói, um inimigo, obviamente.