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Há uma coisa crítica para qualquer comunicação. Boa comunicação: o tempo.

O tempo certo.

Claro que o modo importa. Claro que a audiência é vital. E naturalmente a mensagem é crítica. Mas sem um bom timing, tudo pode ser perfeito e falhar redondamente.

E, por que estou eu a falar do tempo certo para comunicar?

Porque a última semana demonstrou como na comunicação, tal como na política, o tempo é quase tudo.

As surpresas fazem parte da vida.

Deve ser a isso a que se refere um conceito chamado VUCA.

Traduzindo a sigla é sobre um mundo cada vez mais Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo.

Mas não foi sempre assim? Parece que sim. Mas agora ficou na moda dizer que ninguém controla nada de nada.

E isso para quem julga que manda ou contra a marcha do mundo, deve ser profundamente angustiante.

Este programa era para ser sobre comunicação, reputação e posicionamento das organizações.

Saber o que fazem as empresas e como trabalham as agências de comunicação e relações-públicas que as apoiam.

Uma conversa com Domingas Carvalhosa, da empresa de comunicação Wisdom e nova presidente da APECOM, a associação do sector. Tudo a pretexto de um estudo que faz um ranking das empresas, comunicadores e jornalistas com mais popularidade no país.

Escusado será dizer que os comunicadores ficaram continentes e vaidosos e os jornalistas irritados por serem vistos como amigos e próximos.

Portanto, o pretexto era simples: falar de comunicação.

E o mundo deu uma pirueta.

O Primeiro-Ministro demitiu-se. O Presidente anunciou a dissolução do parlamento.

E há eleições em março.

O que significa o tiro de partida de uma longa campanha eleitoral de mais de 4 meses em pleno espaço mediático.

É por isso o tempo em que a política e a comunicação se encontram. As ideias, os palcos e as 'personas' apresentam-se perante os olhos dos públicos eleitores.

Esta conversa foi gravada depois da demissão e antes do anúncio da dissolução.

Esta cronologia é importante porque nestas alturas tudo se acelera ainda mais e fica mais imprevisível.

ÍNDICE DE TEMAS & TEMPOS:

(00:02:51) O posicionamento estratégico do primeiro-ministro.

(00:04:51) A emoção na comunicação do primeiro-ministro

(00:06:51) O descontrolo na comunicação do primeiro-ministro

(00:09:51) A estratégia de esclarecimento de António Costa.

(00:10:51) A narrativa do vazio

(00:13:51) A comunicação do presidente da república

(00:14:51) Marcelo Rebelo de Sousa como uma pessoa das pessoas

(00:17:51) O teatro público de Marcelo Rebelo de Sousa

(00:20:51) A estratégia política do presidente Marcelo Rebelo de Sousa

(00:22:51) A estratégia de comunicação de Luís Montenegro nas eleições

(00:25:51) A mensagem do candidato

(00:26:51) As soluções para os problemas

(00:28:51) A comunicação política e a reputação

(00:33:51) A importância da reputação

(00:35:51) A gestão da reputação

(00:37:51) O trabalho da reputação nas organizações

(00:38:51) A importância do propósito nas empresas

(00:39:51) A obrigação das empresas em cumprir normas não financeiras

(00:42:51) A falta de regulamentação do lobbying em Portugal

(00:46:51) A necessidade de legislação para garantir transparência

(00:47:51) O aumento da transparência como forma de combater a corrupção

LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO

JORGE CORREIA (00:00:00) - Viva. Domingas Carvalhosa, comunicadora, gera neste momento uma agência de comunicação. Podemos defini la assim A Wisdom é também presidente da APC, que onde se juntam todas as organizações e agências que trabalham esta coisa da comunicação. Quando nós falamos há uns dias, a ideia desta conversa era que ela fosse precisamente sobre isto, sobre a comunicação, sobre sobre as agências, sobre o setor. E falámos sobre isto. E eis que senão o destino nos trocou as voltas por uma questão e de que maneira? Não é que por uma questão de porque os factos estão a andar muito depressa. Esta conversa foi gravada antes do Presidente da República falar ao país e, portanto, quando a maioria das pessoas ouvirem esta conversa, saberão que o presidente dirá coisas que nós não sabemos ainda o que é que vai acontecer. Mas vamos começar pelo início, que é o primeiro ministro falou e demitiu se, Apresentou se e demitiu se. Vamos olhar para esta pessoa enquanto comunicador. António Costa O que é que viu daquela comunicação?

DOMINGAS CARVALHOSA (00:01:12) - Eu acho que António Costa esteve muito bem, não só na forma de comunicar, no timing de comunicar e também na forma de comunicar.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:01:23) - Ele comunicou, antes de que saíssem cá para fora quaisquer informações sobre factos de que ele pudesse eventualmente vir a ser acusado.

JORGE CORREIA (00:01:35) - Controlou a narrativa de alguma maneira.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:01:37) - Totalmente a narrativa.

JORGE CORREIA (00:01:39) - Por que isso é importante?

DOMINGAS CARVALHOSA (00:01:41) - É muito importante controlar a narrativa sempre. Em comunicação, é importante comunicar a narrativa, porque quem controla a narrativa? Quem controla a narrativa vai com passo à frente e, portanto, o facto também de ter escolhido o momento em que não existia ainda. Como ainda não existe muitos dados sobre a. Que acusações existem sobre António Costa faz com que ele se demita numa altura em que é totalmente inocente.

JORGE CORREIA (00:02:28) - E, portanto, cria em todos aqueles que estão na sua audiência que o prisma da história seja aquele que ele definiu.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:02:37) - E vítima. Enquanto não há acusação, ele é uma vítima.

JORGE CORREIA (00:02:40) - É essa a narrativa.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:02:42) - Eu acho que é. Portanto, toda aquela comunicação foi uma comunicação muito emocional. E emocionou, emocionou. E as pessoas continuam a espera que, nomeadamente os meios de comunicação social, já se vê alguns meios de comunicação social a dizer então Ministério Público, onde é que estão as acusações? Como é que um governo cai, um Primeiro-Ministro cai e não há novidades sobre os factos acusatórios de um Presidente de um Primeiro-Ministro que que foi acusado.

JORGE CORREIA (00:03:23) - Portanto, usa a narrativa, no fundo, para tirar o foco que por natureza seria sobre ele e sobre uma hipotética acusação. E devolve esse foco dizendo Olhem ali porque a causa das coisas não está deste lado, está noutro lado qualquer.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:03:41) - Exacto. Exato.

JORGE CORREIA (00:03:43) - Então é o papel da empatia. Eu olho para aquela comunicação. Há dois momentos daquela comunicação. Há um momento em que o Primeiro-Ministro em funções, agora demissionário, está a ler um comunicado. Lá está, é essa, essa frase. Como é que o lê nesse momento? Depois há um segundo momento em que ele está a responder às perguntas e se calhar o tom é um bocadinho diferente. Como é que? Como é que uma comunicadora vê esse momento de geração de empatia? Diz que ele se emocionou.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:04:12) - Emocionou se, mas também é natural. Atenção, é natural que ele tenha emocionado. Foram oito anos da vida dele. Quando ele fala na mulher e na família, é a altura que ele mais se emociona. E eu acredito que não tenham sido rosas estes oito anos, não é? E, portanto, também é natural que haja alguma emoção.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:04:33) - As pessoas não são de ferro e, portanto, acredito que alguma daquela emoção tenha sido de facto sentida. Agora não tenho também a mínima das dúvidas que. A forma que estava prescrita para aquele. Aquela comunicação ao país ia ser passada de uma forma emocional calma de quem tem a consciência tranquila que tem a verdade consigo. E tudo isso e portanto. E foi isso que passou.

JORGE CORREIA (00:05:10) - Portanto, estrategicamente, o posicionamento é um posicionamento certo para aquele tipo de comunicação.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:05:16) - Exactamente.

JORGE CORREIA (00:05:17) - É quando, quando nós olhamos para os políticos, quando os vemos a falar, o que é que dá? Deste género de comunicações advém quase da honestidade da pessoa que está ali a falar. E quanto é que há do dedo de uma comunicador ou de um comunicador que por trás dele lhe possa dar algum? Enfim, alguns conselhos ou algum apontar de algum caminho?

DOMINGAS CARVALHOSA (00:05:44) - Bom? Depende. Depende dos políticos, não é? Há políticos que têm um dom natural e que precisam um pouco. Precisam um pouco de mídia training. Podem eventualmente necessitar de alguma orientação em termos de mensagens e, enfim, da forma como devem orientar discurso.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:06:03) - E tudo isso porque têm um dom natural. Há outros em que isso não é assim.

JORGE CORREIA (00:06:09) - António Costa Tem. Tem muito treino, seguramente. Tem muitos anos.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:06:12) - Disto. Tem que ter treino. Eu acho que ele não tem um dom muito natural, tanto que se embrulha muito com as palavras.

JORGE CORREIA (00:06:21) - Algumas sílabas. Isso quando se irrita, tende a acelerar o seu discurso.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:06:26) - Tem algum descontrolo, muitas vezes tem algum descontrolo. Vê se neste neste, neste discurso de demissão em que ele estava, naquele registo de calmo, etc. Houve ele. Houve um jornalista a dizer. António Costa não esclareceu. É ele que estava naquele registo calmo. De repente diz que o que é que António Costa não esclareceu? Enfim.

JORGE CORREIA (00:06:49) - Que é 1/2 da conversa, não é?

DOMINGAS CARVALHOSA (00:06:50) - Descontrolou se. Viu se que houve ali um descontrolo. Quer dizer, mudou de registo muito rapidamente.

JORGE CORREIA (00:06:58) - Porque é curioso, porque não mantém aquele tempo mais temperamento, mais calmo, a dizer não. Eu quero esclarecer, mas não é atrativo, não é? Aquilo é um momento em que em que salta sim.

DOMINGAS CARVALHOSA (00:07:11) - E é natural que que que ele quisesse esclarecer, porque de facto ele estava ali para esclarecer e portanto é natural.