O poder de olhar: o que o fotojornalismo ensina sobre comunicar
Vivemos cercados de imagens.
Fotografias, vídeos, fragmentos de realidade que passam depressa demais.
Mas há uma diferença entre ver e olhar.
Entre registar e compreender.
Entre captar o instante — e perceber o que ele significa.
Como fotografar a emoção? José Sena Goulão.
Neste episódio do Pergunta Simples, a conversa é com José Sena Goulão, fotojornalista da Agência Lusa, autor de algumas das imagens mais marcantes da história recente de Portugal — como aquela, em pleno confinamento, de um homem sozinho a subir a Avenida da Liberdade com uma bandeira às costas.
Mais do que falar de técnica, esta conversa fala de sentido: do que o fotojornalismo nos ensina sobre comunicar com verdade, emoção e responsabilidade.
A fotografia como linguagem
Desde que existe, a fotografia é uma forma de comunicar.
De traduzir o mundo em luz.
De transformar o instante em memória.
Mas o mundo mudou.
Hoje, qualquer um de nós tem uma câmara no bolso.
E, com isso, o poder — e o risco — de publicar, manipular, distorcer.
A fotografia, que nasceu como prova, tornou-se um território de dúvida.
E é por isso que vale a pena ouvir quem continua a acreditar na imagem como linguagem de serviço público.
O enquadramento é uma escolha ética.
José Sena Goulão percorre há mais de quatro décadas o país e o mundo com uma câmara ao ombro: do Parlamento às bancadas do futebol, das cerimónias de Estado às praias de Carcavelos ao nascer do sol.
Para ele, o enquadramento é tudo.
É a linha que separa o que se mostra do que se omite.
E essa linha é sempre ética.
Na fotografia — como na comunicação — enquadrar é interpretar.
É decidir o que é essencial e o que fica fora de campo.
É escolher o foco, e com isso, construir um ponto de vista.
Toda a fotografia revela tanto de quem fotografa como de quem é fotografado.
E é nesse espelho — muitas vezes invisível — que se joga a honestidade do olhar.
A emoção é o centro da verdade
As fotografias que ficam não são as mais perfeitas.
São as que tremem, as que respiram, as que captam o que é humano.
Uma imagem pode ser tecnicamente irrepreensível e, ainda assim, vazia.
O contrário também é verdade: uma fotografia imperfeita pode ser comovente, memorável, real.
A emoção é o que transforma o registo em relato, e o relato em memória coletiva.
É o que liga o que acontece ao que sentimos.
E é também o que torna a comunicação — em qualquer contexto — profundamente humana.
A ética é inseparável do olhar.
Num tempo em que a inteligência artificial fabrica rostos que nunca existiram e paisagens que nunca aconteceram, o olhar humano torna-se um ato moral.
Fotografar — como comunicar — é assumir responsabilidade.
É compreender que há sempre uma fronteira entre mostrar e explorar, entre informar e invadir.
A credibilidade nasce precisamente daí:
da capacidade de respeitar quem está do outro lado da lente, do microfone ou da palavra.
O fotojornalismo, neste sentido, é mais do que uma profissão: é uma missão pública.
Ver, compreender e contar — antes que o ruído apague o essencial.
A verdade não é perfeita, mas é necessária.
A fotografia de José Sena Goulão no 25 de Abril de 2020 — um homem sozinho a subir a Avenida da Liberdade com a bandeira de Portugal às costas — tornou-se um símbolo desse compromisso.
Num país confinado, foi uma pergunta em forma de imagem:
o que é a liberdade, quando quase nada se pode ver?
Foi também uma prova de que a verdade não precisa de ser perfeita para ser poderosa.
Basta ser honesta.
E essa talvez seja a lição mais urgente sobre comunicação:
a verdade comove mais do que o filtro.
Comunicar é resistir à indiferença.
No fim desta conversa, uma ideia fica clara:
Comunicar bem é manter o foco quando tudo em volta distrai.
Ver, compreender e contar.
Três verbos simples.
Três verbos difíceis.
São os mesmos que sustentam o jornalismo — e que, nas mãos de José Sena Goulão, continuam a iluminar o país, um disparo de cada vez.
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Esta transcrição foi gerada automaticamente. Por isso, ela pode não estar totalmente precisa.
0:12
Ora, vivam bem vindos ao pergunta simples, o vosso podcast sobre a comunicação.
Hoje vamos falar sobre o olhar, sobre o poder que existe dentro de uma imagem e a responsabilidade de quem é a capta.
Vivemos rodeados de fotografias, de vídeos, de fragmentos de realidade que passam depressa.
0:30
Mais, mas há uma diferença entre vir e olhar, entre registar e compreender, entre captar um instante e perceber o que ele significa.
Neste episódio, olhamos para a fotografia como aquilo que ela sempre foi, uma forma de comunicar, de comunicar a verdade da emoção e a memória.
0:47
E para isso, convidamos alguém que há dezenas de anos está a transformar lusa em linguagem.
José cena golão, fotojornalista da agência lusa.
Autor de algumas das imagens mais marcantes da história recente de Portugal, como aquela em pleno confinamento de um homem sozinho num 25 de abril, a subir a avenida da Liberdade.
1:08
Com a Bandeira de Portugal às costas.
1:20
Há profissões que vivem do instante e há outras que vivem de o preservar.
O fotojornalismo é uma delas, um ofício de urgência e de memória, onde cada clique é uma tentativa de dizer, isto aconteceu.
Vivemos rodeados de imagens, milhares de imagens por dia.
1:37
Mas quantas destas imagens são verdadeiras, no verdadeiro sentido da palavra?
Quantas mostram, de facto, o mundo sem filtros, sem artifícios, sem a moldura da conveniência?
A fotografia que nasceu como prova tornou se hoje um território de dúvida.
E é por isso que precisamos de ouvir quem ainda acredita na imagem como uma linguagem de serviço público.
1:58
José Sara golão é fotojornalista da agência lusa e há dezenas de anos que percorre o país e o mundo como a Câmara a ombro do parlamento às bancadas do futebol das.
Dimónias de estado às praias de carcavelos ao nascer do sol no surf.
Pois, claro, é dele a imagem que marcou o 25/04/2020.
2:14
Um homem sozinho a subir à avenida da Liberdade com uma Bandeira às costas.
Nessa altura em que o país estava fechado em casa.
Aquela fotografia foi um gesto de resistência e também uma pergunta, o que é a Liberdade quando quase nada se pode ver este?
2:30
Episódio da pergunta simples é uma viagem ao interior desse olhar e uma reflexão sobre o poder da comunicação visual.
Porque uma fotografia é, no fundo, uma forma de falar.
E talvez o fotojornalismo seja uma forma mais direta, mais crua e mais honesta de comunicar o instante em que a emoção se torna informação.
2:50
Há 3 lições essenciais nesta conversa, pelo menos para mim.
A primeira é que o enquadramento é tudo.
Na fotografia e na vida, comunicar e decidir onde colocamos o foco, o que mostramos, o que deixamos de fora, o que consideramos essencial.
Cada escolha é uma interpretação do real.
A segunda é que a emoção é o centro da verdade.
3:09
As fotografias que ficam não são as mais perfeitas, são as que trem, são as que respiram, são aquelas que captam o que é humano.
A emoção é o que transforma o registo em relato e o relato em memória coletiva.
A terceira lição é que a ética.
É inseparável do olhar num tempo em que a inteligência artificial gera rostos que nunca existiram, sorrisos que nunca aconteceram.
3:31
A fotografia recorda antes que comunicar é um ato moral.
Há sempre uma Fronteira entre mostrar e explorar, entre informar e invadir.
E a credibilidade nasce precisamente daí, da responsabilidade de quem escolhe a imagem que representa os outros.
Este episódio é mais do que uma conversa sobre fotografia, é.
3:49
Uma medicação sobre a verdade, sobre o papel do olhar numa época em que tudo parece editável.
E é também uma homenagem a todos aqueles que, atrás da Câmara ou do microfone, tentam cumprir o velho dever do jornalista.
Ver, compreender e contar o que acontece antes que o ruído ou o silêncio o apague.
4:09
Porque comunicar, bem como fotografar, é resistir à indiferença.
É não virar a cara ao que importa e lembrar com luz.
O que o esquecimento tenta a pagar?
José Sena golão fotojornalista qual é a diferença entre um fotógrafo e um fotojornalista?
4:28
Alguma.
Ah, Ah, acho que o fotógrafo, antes de mais obrigado pelo convite entrar já aqui Na Na resposta, acho que sim.
Acho que o fotógrafo.
A primeira coisa que procura acho que é a beleza.
É a beleza em em tudo.
4:44
Ou tentar fazer a fotografia mais bonita e mais esteticamente mais apelativa a alguém no fotojornalismo é mostrar a realidade pura e dura, conseguindo fazer a imagem que lá está, com a maior beleza possível e com com os elementos que nos estão, nos estão disponíveis no momento que nunca são, nunca são da nossa escolha.
5:05
É, é o que está a acontecer no momento, no sítio, à hora que for, com a luz que for e desse momento conseguir antecipar, antecipar aquilo que vai acontecer.
EE mostrar a realidade da melhor maneira possível, sendo que de umas vezes mostramos a realidade num conjunto de imagens, outras vezes 11 só imagem consegue resumir exatamente aquilo que estamos temos à nossa frente.
5:27
Tu vais à procura da da história já agora nasceste em em 1979, começaste no fotojornalismo No No Algarve e agora trabalhas Na Na agência lusa.
Não.
Então conta, me conta, me conta me tudo.
Então eu sou professor de educação física, de formação.
5:44
Comecei a fotografar muito tarde, às 25, já já depois de de estar a dar aulas, então.
Qual foi o clique?
O clique foi mesmo foi exatamente um clique com uma numa viagem com amigos a Itália e já tinha acontecido bastantes vezes a ver o curso de de fotografia do IPF em Faro, onde eu vivia ainda em Rolo em fotografia analógica e revelação e alguns amigos meus.
6:09
Tinham conseguido fazer o curso e eu nunca consegui entrar por agenda, por outras coisas que fazia também ao mesmo tempo.
E nunca consegui fazer o curso.