Faltam menos de 2 meses para ser eleito o novo presidente dos Estados Unidos.E a campanha segue a todo o vapor.Uma campanha eleitoral é por definição o momento em que candidatos e eleitores dialogam sobre o futuro de um país.Tempo para se conhecerem aqueles que querer governar e as expectativas dos cidadãos eleitores.
Neste episódio do Pergunta Simples viajamos com Germano Almeida para a América em ebulição: menos de dois meses para escolher um presidente e uma campanha que é, há décadas, o laboratório mais sofisticado da comunicação política. Ali, tudo é testado, medido, repetido — e tudo comunica. Entre Kamala Harris e Donald Trump joga-se não apenas a alternância de poder, mas a forma como se fala a um país dividido, a uma opinião pública saturada de mensagens e a um mundo que observa os sinais.
Germano, jornalista e comentador que acompanha a política norte-americana há mais de vinte anos, parte de um dado que surpreende muitos europeus: grande parte dos eleitores só presta real atenção nas últimas semanas. Até lá, a política parece um ruído de fundo. Quando chega o debate presidencial — desta vez, um frente-a-frente único — o palco muda. E o que vale, diz Germano, é a preparação. A equipa conta. As regras contam. A forma conta tanto como o conteúdo.
No duelo Harris–Trump, as imagens iniciais ajudam a perceber o tabuleiro: microfones fechados quando o adversário fala, púlpitos ajustados, planos que evitam comparações físicas óbvias. Pequenos detalhes — como Kamala avançar para cumprimentar Trump — marcam território. A candidata começa tensa, solta a voz, e assenta o debate em frases curtas, ancoradas em factos, pensadas para sobreviver ao corte de 15 segundos das redes. “Foi despedido por 81 milhões de americanos”: uma sentença simples que condensa dados, contraste e memória coletiva. Comunicação a trabalhar.
Do outro lado, Trump insistiu em narrativas que dispensam prova, mas não audiência. O episódio dos “imigrantes a roubar cães e gatos” em Ohio é exemplar: uma história inverosímil que serve para ativar medos básicos — do diferente, do invasor, do que ameaça “o nosso modo de vida”. A verificação dos moderadores desmente em direto; o mito, ainda assim, circula. É aí que o jornalismo de serviço público deve ser insistente: explicar a origem dos boatos, mostrar o que dizem as autoridades locais, confrontar perceções com indicadores de criminalidade e recordar que plataformas sem moderação robusta amplificam o ruído. Liberdade de expressão não é licença para desinformar.
A economia, “sempre a economia”, mereceu o confronto mais substantivo. Depois de um pico inflacionista alimentado pela retoma pós-pandemia, pelas cadeias de abastecimento e pela energia, a descida nos últimos trimestres retira a Trump um dos seus argumentos preferidos. Ainda assim, a sensação de “vida mais cara” permanece. É o velho dilema da comunicação pública: como traduzir séries estatísticas em experiência quotidiana — rendimentos, crédito, rendas, supermercado — sem perder rigor nem empatia.
Há também estratégia fina no mapa eleitoral. Germano lembra que o voto popular nacional é barómetro imperfeito num sistema decidido por colégio eleitoral. A vitória passa pelos mesmos estados-chave: Wisconsin, Michigan e Pensilvânia no Midwest; Geórgia, Arizona e Nevada no Sun Belt; e uma Carolina do Norte cada vez mais disputada por efeito de migrações internas. É o território do micro-targeting: mensagens calibradas para comunidades específicas, do eleitorado polaco no Midwest às sensibilidades suburbanas de Atlanta ou Phoenix. Política granular, vitória por milímetros.
Olhar para 2025 é perguntar: que presidência cada candidato promete? Germano traça um retrato inquieto de um eventual segundo mandato de Trump, menos contido por contrapesos internos, mais determinado em “acertar contas” e inclinado a soluções rápidas para problemas complexos — da fronteira sul à Ucrânia, onde a ideia de “congelar” linhas de frente ecoa a cedência que Moscovo deseja. Do lado democrata, Kamala tenta uma pirueta difícil: herdar méritos, descolar de impopularidades, apresentar-se como futuro e não mero prolongamento. A escolha de Tim Walz como vice procura exatamente isso: complementar geografias, sotaques e mundos sociais.
Tudo isto acontece num ecossistema mediático transformado. O antigo Twitter, hoje X, tornou-se megafone de tribos e ressentimentos, com Elon Musk a radicalizar a ideia de “neutralidade” enquanto valida e amplifica versões altamente politizadas da realidade. Repetir um disparate não o torna verdade — mas dá-lhe tração. A resposta democrática exige paciência, factos, e a pedagogia que o jornalismo público não pode abandonar: explicar regras de recenseamento, voto antecipado e por correspondência; recordar o que é o colégio eleitoral e por que motivo um candidato pode perder o voto popular e, ainda assim, vencer; dar contexto às sondagens; distinguir promessa, plano e orçamento.
No fim, fica a pergunta que Germano não contorna: como pode metade de um país apoiar um candidato que despreza regras básicas da democracia? A resposta não está numa caricatura moral dos eleitores, mas na nossa capacidade — jornalistas, professores, instituições — de compreender os medos, os mapas e as histórias que alimentam essas escolhas. Compreender não é desculpar: é o primeiro passo para comunicar melhor, disputar narrativas e proteger o espaço comum.
A América vota a 5 de novembro. O resultado dirá muito sobre a saúde da sua democracia e terá impacto direto na Europa: segurança, economia, clima, alianças. Até lá, convém ouvir mais do que os clips e ler para lá dos memes. É isso que tentamos fazer aqui: serviço público, com tempo, rigor e perguntas.
A eleição nos Estados Unidos é, provavelmente, a mais intensa e profissional campanha de comunicação conhecida.Tudo é profissional, otimizado e caro.Os candidatos são treinados, polidos, engraxados, lustrados e aparecem centenas de vezes aos eleitores.
As convenções e comícios sucedem-se.As mensagens na televisão, rádio, jornais e redes sociais fluem ao minuto.As mensagens são repetidas até à exaustão.Todas as palavras são afinadas ao milímetro. Ninguém quer eleitores zangados.Há que manter os fieis e conquistar os indecisos.E, ao mesmo, tempo, sublinhar as dúvidas, erros e contradições dos adversários.
E tudo isto roda a mil à hora.Com milhões de dólares investidos.Com os melhores consultores de comunicação.Tudo a toque de caixa das sondagens que nascem de todos os lugares, a todo o momento.Tudo conta: popularidade, paixão ou rejeição dos candidatos.Nos Estados Unidos a polarização é cada vez mais acentuada. E isso nota-se nas trocas de argumentos.E na exploração de convicções ou medos dos eleitores.Há momentos em que vale tudo.
E há um momento sublime: o grande debate entre candidatos a presidentes.Pode até ser mais do que um.Neste caso parece haver espaço apenas para um, único, um debate, entre o candidato Donald Trump e a candidata Kamala Harris
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JORGE CORREIA 00:00:12 Ora vivam. Bem vindos ao Pergunta Simples o vosso Podcasts sobre Comunicação. Estamos de volta para uma nova série de episódios sobre os dilemas da comunicação. O Pergunta Simples estará, como sempre, disponível às quartas feiras, pontualmente às 06h00. Pode ser ouvido ou visto. Gravação em áudio e vídeo no site da RTP, no RTP Play e também em todas. Sim, eu disse em todas as plataformas de podcasts do mundo, as mais conhecidas e populares, o Spotify ou app de podcasts, mas também dezenas de outras que podem encontrar em pergunta simples como ou no vosso telemóvel, vale subscrever na vossa plataforma favorita e assim ninguém perde um episódio. Já agora, já que perguntam no YouTube, fica também disponível um resumo da conversa e também a versão integral, tal como no Vimeo. Posto isto, vamos à América. Vamos Neste episódio até à América, viajamos até aos Estados Unidos com tempo para aprender sobre comunicação com uma batalha eleitoral. Neste caso, a batalha eleitoral entre Trump e Kamala. Ainda faltam menos de dois meses para que seja eleito o novo presidente dos Estados Unidos e a campanha segue a todo vapor.
JORGE CORREIA 00:01:44 Uma campanha eleitoral e, por definição, o momento em que os candidatos e os eleitores dialogam sobre o futuro de um país, pelo menos nas democracias. Tempo para se conhecerem aqueles que querem governar e as expectativas dos cidadãos eleitores. A eleição nos Estados Unidos é provavelmente a mais intensa e profissional campanha de comunicação conhecida. Tudo é profissional, otimizado e caro. Muito caro. Os candidatos são treinados, polidos, engraxados, lustrados e aparecem centenas de vezes aos eleitores. As convenções e os comícios. Sucedem se. As mensagens na televisão, na rádio, nos jornais e nas redes sociais fluem ao minuto. As mensagens são repetidas até à exaustão. Todas as palavras são afinadas ao milímetro. Ninguém quer eleitores zangados e há que manter os fiéis conquistando indecisos e, ao mesmo tempo, sublinhar as dúvidas, os erros e as contradições no adversário. E tudo isto roda a 1000 à hora, com milhões de dólares investidos, com os melhores consultores de comunicação a trabalhar. Tudo a toque de caixa nas sondagens que nascem de todos os lugares, a todo o momento.
JORGE CORREIA 00:02:59 Tudo conta popularidade, paixão ou rejeição dos candidatos. Nos Estados Unidos, a polarização é cada vez mais acentuada. Isso nota se nas trocas de argumentos e na exploração de convicções ou medos dos eleitores. Há momentos em que vale tudo, mas há um momento sublime. O grande debate entre candidatos a presidente pode ser até mais do que um. Neste caso, parece haver espaço apenas para um um único um debate entre o candidato Donald Trump e a candidata Kamala Harris. Germano Almeida, 30 anos, jornalista, 20, a acompanhar a realidade norte americana à realidade política. Imagino que para ti é um festim por estes dias.