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Hoje sinto-me na idade dos porquês.

Porque? Porquê? Porquê?

Porque sim!

Porque sim não é resposta, dir-nos-à qualquer criança munida de mil perguntas difíceis para fazer.

Nesta edição é convidada a filósofa e perguntóloga Joana Rita Sousa.

Mestre na arte da pergunta e na missão de criar espaços onde as questões são a acendalha para o pensamento criativo.

Perguntar para saber.

Perguntar para ouvir.

Perguntar apenas para manter a conversa ao lume.

Das perguntas curiosas às mais abstratas.

Do rol de perguntas difíceis até às mais incómodas.

Das maiores, às mais pequenas.

Todas as perguntas são motores de conversa. São chispas de curiosidade.

Das muito difíceis de responder:

Quem sou eu?

De onde venho?

Para onde vou?

Qual o sentido da vida?

Das perguntas vitais, mais desafiadoras, feitas por crianças:

De onde vem os bebés?

Como se fazem os bebés?

Porque não me deixas comer todas a guloseimas?

Ou fazer tudo o que me apetece?

O pai natal existe?

E deus?

Vida, morte e sexo serão o topo das perguntas mais difíceis de responder às crianças.

E elas têm dezenas na ponta da língua.

Esta edição também tem espaço para adultos.

Dos que mantém à curiosidade fresca e imaculada às que mentem às crianças para sobreviver à pergunta certeira.

Em caso de emergência funciona quase sempre a fórmula: “pergunta à tua mãe, que ela sabe tudo”

Mas a receita pode ter retorno à casa de partida.

O melhor mesmo é tentar responder com honestidade.

E em caso de ignorância profunda, dizer que não sabemos e ir, juntos, à procura da resposta.

TÓPICOS DA CONVERSA:

[00:05:31] A autora encontrou um livro sobre a arte de fazer perguntas e começou a investigar o papel das perguntas e como elas podem trazer diferentes resultados. Também explora o papel das perguntas em processos e como elas podem levar a outras descobertas.

[00:08:37] Vários processos, receitas com variações individuais.

[00:15:01] Criar algo novo a partir da mistura.

[00:19:39] Filósofos resolvem problemas através de perguntas.

[00:22:04] Oficinas para diferentes públicos, principalmente famílias. Proposta de jogo para estimular o pensamento.

[00:24:51] Contemplar possibilidade de escolhas diferentes juntos.

[00:28:05] Linguagem acessa pensamento, mas pode desviar entendimento.

[00:30:49] "A importância das perguntas na infância."

[00:34:07] Algumas pessoas são mais honestas e curiosas.

[00:38:28] Problemas com finitude e sede de mais.

[00:41:35] Diferentes ideias sobre escola e futuro. Cão como porteiro. Tecnologia e tempo livre.

[00:47:54] Escolher bem, energia pouca, redes sociais. Surpresa!

[00:49:08] Ser humano é falível, racionalidade é discutível, verdade é relativa.

[00:52:18] Pergunta simples, resposta simples, outras são difíceis.

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TRANSCRIÇÃO AUTOMÁTICA

Jorge Correia [00:05:25]:

Joana Rita Sousa, filósofa de profissão, Perguntóloga.

JOANA RITA SOUSA [00:05:31]:

Carreia que é uma perguntóloga. Bom, a ideia não é minha, não é original, não foi o original meu, digamos assim, mas eu há uns tempos encontrei um livro que se chama Arte de Fazer Perguntas, do Warren Burger, um jornalista, não sei se tivesse a profissão que te diz alguma coisa, assim é onde levo, não é? Alguém que trabalha também com perguntas e que começou a fazer uma investigação sobre o papel da pergunta, começou a dedicar-se a perceber que tipo de pergunta, o que é que trazem determinado tipo de perguntas, como é que se pergunta, por exemplo, para inovar, como é que se pergunta. O fim ao cabo é contemplar a pergunta e perceber o que é que ela significa, o que é que ela traz. Como se fossem categorias? Sim, também, é possível fazer esse estudo das perguntas como se fossem categorias. Mas o interesse dele também era perceber qual era o papel da pergunta em processos. Antes de as categorizar vá a perceber, que é muito isso que eu faço em diálogo, não é? Que é perceber naquele diálogo o que é que cada pergunta provocou. Ou se eu fizer a pergunta X, o que é que ela pode provocar e começa a desenhar cenários de perguntas diferentes que me podem trazer outros tipos de coisas. Isso é um bocado maquiavélico. Não é uma questão de... Não é maquiavélico porque eu não quero conduzir

Jorge Correia [00:06:47]:

em excesso o processo, só quero é que o processo seja claro para todos. Portanto, há uma diferença entre o bem e o mal. Portanto, tu faz isso com o processo para atingir o bem, para atingir o melhor do processo. Para atingir uma clareza. Sim. É esse o meu foco. Sabes que eu confesso desde já, eu quando ouço falar de processos, fico os cabelos em pé. Então. Porque eu gosto muito de ouvir os nossos princípios, eu gosto muito, não é? A nossa visão, adoro. Os nossos processos, eu já me estou a imaginar na fábrica como a fábrica Taylor. Então, o teu papel é fazer este processo, que é pegar nesta porca, pôr neste parafuso e esta porca neste parafuso. E eu percebo que o mundo se move com processos,

JOANA RITA SOUSA [00:07:33]:

mas sou uma pouco criativo ou não. Mas não falam-se também de processos criativos, como é que encaixas esta expressão? Não sei, diz-me tu.

Jorge Correia [00:07:41]:

Parece uma contradição dos termos.

JOANA RITA SOUSA [00:07:45]:

Sim, é verdade, mas nós conseguimos reconhecer, sobretudo quando... Um pouco como o Warren Berger fez com as perguntas, não é? Que é olhar para elas à distância e perceber que efeito é que elas têm e qual é a diferença entre fazer uma pergunta que começa por porquê ou por porquê e uma que começa por será que? Qual é o efeito que isto te provoca num processo? Vou-te chamar aqui provisóriamente. Não, não, mas eu aceito, não tem problema. Eu compro o processo.

Jorge Correia [00:08:08]:

Eu quero que as palavras não te provoquem. Até porque é assim, eu sei que se eu for comer, se eu for fazer o meu almoço, o meu jantar, e eu sei que aquilo é um processo, eu tenho que ligar o fogão primeiro e depois pôr a panela e depois... Eu sei que isso é verdade, mas eu quase me apetece dizer assim ah, mas o que eu gosto mesmo é de pensar no bife com ovo a cavalo, quer dizer, quase no fim, pensar no desejo e não no caminho.

JOANA RITA SOUSA [00:08:37]:

Compreenda a questão com o processo, mas podemos entendê-lo como que há vários tipos de processos e mesmo uma receita que pode ser uma coisa processual tem muitas maneiras de ser levada a cabo ou ser realizada, não é? Porque nós sabemos que há uma receita, por exemplo, para calhar obras, que é uma coisa, claro, suficientemente conhecida para as pessoas saberem do que é que eu estou a falar, mas nós sabemos que há ali elementos-chave, há até elementos do processo que são fundamentais, mas há outros que depois a pessoa dá o seu toque pessoal. As variações. Há as variações e as pessoas aí criam variações de processo ou criam o seu próprio processo e a sua própria maneira de fazer as coisas. Aquilo que nos faz dizer, é pá, este

Jorge Correia [00:09:22]:

bacalhau-abrax é mesmo extraordinário

JOANA RITA SOUSA [00:09:24]:

porque há ali um coisinho. Tem qualquer coisa. Eu julgo que na criatividade e nos processos criativos o que acontece é que há talvez uma dinâmica mais caótica, mas a dado momento é preciso parar para ter alguma estrutura e é aí que poderá entrar a questão do processo criativo, por isso é que se fala muito ou que se tenta perceber com as pessoas que são criativas. A grande pergunta é qual é o seu processo criativo? No fundo é como é que chega aqui? Eu até quero dar um passo atrás. Há uma diferença entre pessoas

Jorge Correia [00:09:55]:

criativas ou não criativas ou mais criativas e menos criativas?

JOANA RITA SOUSA [00:09:59]:

É uma diferença entre... Ou seja, há graus de criatividade nas pessoas? Sim.

Jorge Correia [00:10:03]:

Ou se o potencial é tudo o mesmo e depois alguns de nós exercitam melhor esse músculo e conseguem criar mais ou não. Ou o nosso hardware vem aqui equipado com uma quantidade limitada de criatividade para nós podermos exercer?

JOANA RITA SOUSA [00:10:20]:

Eu julgo que todos nós temos um potencial de criatividade, a questão é perceber se temos por um lado vontade e às vezes condições para poder exercitar. E eu vejo a criatividade como um músculo, exatamente, ou como algo que se pode trabalhar, não é? Como se estivéssemos a pensar no nosso corpo nós podemos trabalhar pernas, medir pernas é sempre difícil, mas pronto ou podemos trabalhar as costas, podemos... E depois sabemos Quanto mais consistência tem o nosso treino, quanto mais intensidade tem, se é acompanhado ou não, o resultado desse processo

Jorge Correia [00:10:59]:

é diferente. O que significa então que se nós, na nossa vida, e tu trabalhas com crianças e com adultos é minha sensação de que as crianças são infinitamente mais interessantes do que os adultos que parece que me erraram, em vez de ser ao contrário. Aqui que ninguém nos ouve, sim.

JOANA RITA SOUSA [00:11:18]:

Eu diria que sim.

Jorge Correia [00:11:20]:

Que estúpidos somos nós, adultos que aqui estamos, para que nos tornemos piores do que o que éramos, não é? Porque se nós aos quatro anos, aos cinco anos, somos surpreendentes, frescos, contraditórios, e depois aos 20 somos um bocadinho piores, aos 30, aos 40, insuportável. É quase que esta coisa do envelhecimento nos oferece umas ferramentas de experiência de já ter visto, mas se calhar um cansaço de um mundo que nos retire essa curiosidade infinita. A frescura, não é? A frescura de olhar para o mundo como se tivéssemos de olhar para ele pela primeira vez, não é?

JOANA RITA SOUSA [00:12:01]:

Isso é uma coisa que as crianças nos dão e o facto de eu trabalhar com crianças a mim é estar constantemente exposta a essa frescura, é só olhar para o mundo pela primeira vez e espantar-me com as coisas e nós vamos perdendo isso, Mas eu não sei se é possível não perder algo, não é?