Hoje é dia de ir ao psiquiatra.
Revisitámos uma conversa com José Gameiro, a meados de setembro de 2021.
E lembrei-me deste episódio por causa do último livro que escreveu, o “Ser Psiquiatra” com um retrato subjetivo dos seus 40 anos de profissão.
José Gameiro ouve, todos os dias, pessoas que sofrem.
Pessoas que lhe entram no consultório com pedidos de ajuda.
Com demandas para ser guia de um certo regresso à felicidade.
Ou pelo menos a alguma harmonia.
A ideia romântica do que somos ou queremos ser persegue-nos sempre. E o choque com a realidade acorda-nos.
O dia em que gravámos coincidiu com a semana em que deixamos de usar as máscaras cirúrgicas populares na pandemia. E as máscaras foram um bom mote
No jogo das máscaras que todos jogamos uns com os outros há terrenos férteis para imaginários, felicidades e dores.
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TRANSCRIÇÃO AUTOMÁTICA
0:00:00 - JORGE CORREIA
Houve o quê, o que que é que a gente quer dizer que houve Coiso de tudo. Por que que o procuram?
0:00:06 - JOSÉ GAMEIRO
Porque estão a se fornecer, ou seja. O seforimento pode ser uma doença psiquiátrica com o rótulo, com o diagnóstico, ou pode ser um seforimento de relação com alguém, um seforimento interior que não tem relação direta com ninguém, mas que é interno. As pessoas só vão. A ideia é que havia que as pessoas vão ao psiquiátra, ao psiquiátra sobretudo por lá, cá, aquela pália, um pequeno luxo, é mentira. É mentira A psiquiátrica quando estão a se fornecer, quando estão a se fornecer, quando acham que não conseguem ultrapassar porque às vezes já exageram o tempo que deixam estar sem procurar ajuda E aquilo vai inquistando, que tudo vai inquistando, não é? E portanto a ideia é que isso não é verdade. As pessoas procuram, quando estão a se fornecer, e querem, querem, por um lado, alviar o seforimento e, por outro lado, que o seforimento faça algum sentido na sua história, ou seja perceber um bocadinho o que é que está a passar. Não é Perceber um bocadinho o que está a passar porque às vezes é possível.
Às vezes é mais difícil.
0:01:00 - JORGE CORREIA
E consegue se tipificar o tipo de sofrimentos ou Nem psiquiatria ou os diagnósticos.
0:01:06 - JOSÉ GAMEIRO
Seja bem. Seja bem, pois é. Boa parte da clínica não será de diagnósticos, provavelmente ditos. Não posso pôr um conto nas pessoas, mas consegue se perceber o que é, que é uma pessoa que está ansiosa, que é uma pessoa que está triste, uma pessoa que está deprimida, uma pessoa que prefere num caso extremo psicótico e atreverante, etc. Eu trabalho muito com casais, portanto as coisas são um pouquinho diferentes. Que é o sofrimento da relação e o programa da relação, mas é sempre o sofrimento. Em casos raros não há sofrimento. A pessoa vai ao psiquiatra porque é pressionada para ir por coisas comportamentais e não há sofrimento. E um bocado, ao contrário. Temos que levar a pessoa até ao sofrimento. É um bocadinho às vezes.
0:01:42 - JORGE CORREIA
Terá de ter uma autoconsciência do que é que aconteceu, do que é que causou, outro É o que é que causou outro, e ir até ao sofrimento e provocar.
0:01:49 - JOSÉ GAMEIRO
Se é possível dizer a palavra na própria pessoa, alguma pessoa de sofrimento está a provocar nos outros, que às vezes não existe.
0:01:54 - JORGE CORREIA
Como é que se escutam as pessoas? Tem uma caixinha com empatia, com o tempo para ouvir.
0:02:01 - JOSÉ GAMEIRO
Tempo. Tenho Primeiro consulto. Eu sou muito rigido com as horas. Sou um bocado germânico.
0:02:07 - JORGE CORREIA
Comece a hora certa acaba a hora certa. Posso te perguntar porquê?
0:02:12 - JOSÉ GAMEIRO
Não sei, sempre fui assim. Aquilo que eu encontro mais próximo a minha mãe era uma pessoa muito rigorosa. Elas são as horas, por exemplo. A minha família era muito rigorosa, meu pai não, mas o lado da minha mãe sobretudo deve ter ficado daí, mas não sei porquê, porque a minha irmã, por exemplo, faleceu há um ano e tal, e que era também psiquiatra. Não era nada rigorosa com as horas E eu sou completamente a minha mulher, que costuma dizer tu é o gajo menos interessante do mundo porque chega às acaso e repara uma hora.
Se não der sá assim vão tirar a engrafada. Eu sei que elas tu vais chegar, é previsível. Agora já não faço até às 10,. Agora a pandemia de Ruzi. Eu não faço até às 10, mas eu fazia consultórios até às 10 para às 8. O quarto para às 8, acho que a última se consultará cheia de ter noite. Eu faço, se é uma primeira, uma hora, se é uma segunda é uma dizinha de minuto E portanto eu acabo sem mamão. Agora é como a noite de moto a toda a vida. Eu chegava à casa 20 minutos depois.
0:03:03 - JORGE CORREIA
Rápido e só um minuto 45 dessa segunda consulta estiverem a pessoa.
0:03:10 - JOSÉ GAMEIRO
Eu sei que essa pergunta faz todo sentido. As pessoas são avisadas quando marcam uma consulta. Se não me conhecem, são avisadas para secretar e que eu sou super pontual. Primeira coisa E, ao contrário do que se pensa, quando as pessoas, quando os médicos são claros, têm a tradição de se atrasar muito e eu acho que isso é inacreditável. Mas enfim, está a mudar. Mas está a mudar de fagherinho. Quando os clientes são avisados com médica é pontual, as pessoas também são pontuais, eu não sei em caso de assinamento.
0:03:35 - JORGE CORREIA
A consulta começa a hora.
0:03:36 - JOSÉ GAMEIRO
A consulta começa a hora E depois eu digo-lhes na primeira vez quanto tempo aquelas têm para falar. E quando a pessoa sabe quanto tempo vai falar, ou seja aquela vai acabar, o pensamento molda-se um pouco em sempre. Como é que Ajusta-se, ajusta-se isso? Um dos problemas das reuniões em Portugal é o problema de não saber a hora de fim e começarem sempre atrasadas E vão andando, e vão andando e as pessoas não se calam, são um pouco sintétricas.
0:03:59 - JORGE CORREIA
Querem falar, querem se ouvir.
0:04:00 - JOSÉ GAMEIRO
E portanto aqui nunca mais acabem As reuniões. quando era chefe de serviço no hospital, as pessoas já sabiam que começava a hora e acabavam de trabalhar a hora, e aquilo funcionava.
0:04:07 - JORGE CORREIA
Então, em que vai que se resolve o síndrome do último minuto, o último minuto resolve-se.
0:04:11 - JOSÉ GAMEIRO
obviamente, se a pessoa tiver alguma coisa, alguma coisa, eu já vou atrás de cinco minutos para a consulta seguinte, mas é pouco frequente, porque cinco minutos antes digo vamos ter que acabar, Temos cinco minutos. Está dá um sinal de que Está dá um sinal de que É para mexer E depois, à medida que as pessoas já me conhecem e vão lá mais vezes, já sabem E portanto são as próprias pessoas às vezes que dizem ''Ah, temos que acabar, não temos''. Pronto.
0:04:32 - JORGE CORREIA
Está dá uma disciplina na fala, está dá uma disciplina E não é um problema.
0:04:36 - JOSÉ GAMEIRO
O contrário, acho que ajuda as pessoas a serem mais sintéticas, e eu sou muito ativo nas consultas. Não sou nada daqueles estilos que me consta a ouvir.
Não fala, não, não, não Falo. ponho questões, provoco, sou um bocado provocador. Portanto provocou-te um incentivo de pôr as pessoas a pensar e tal Como é que se fazem perguntas. A primeira pergunta que eu faço a primeira vez é o que é que o traz cá, a pergunta clássica, e a pessoa começa a falar e eu começo a interagir com a pessoa E depois o processo vai andando se mostrar assim como é que é um processo terapêutico, a varia de tanta pessoa para pessoa, de uma situação que é muito difícil de dizer como é que é um processo terapêutico. A imagem que eu tenho é que eu é uma bocada, imagem da cirurgia. Eu sou um nostalgia que na medicina que estava a ter que eu sou uma medicina e não sou sobruxo, enfim.
0:05:25 - JORGE CORREIA
Porque os psiquiatras não sentem-se médico? Não, eu sou de medicina.
0:05:28 - JOSÉ GAMEIRO
Estou brincando, mas eu gostava muito de medicina interna, de medicina de urgência, exitei muito.
0:05:33 - JORGE CORREIA
De mexer nas entranhas de ver o sangue.
0:05:35 - JOSÉ GAMEIRO
Cirogia também firma. não, Não era mais de medicina de urgência sem armazém. A medicina de urgência, A medicina de banco, são os Zé.
0:05:42 - JORGE CORREIA
O super-herói que vai salvar alguém no último minuto.
0:05:44 - JOSÉ GAMEIRO
Essa ideia é um bocadinho da juventude médica. não é Da minha juventude médica. Depois acabei quase com o escuto. ninguém nem foi extensão, nem face nada, nem toco nos doentes. Depois acabei nisto Toca por dentro. Não toco, mas a imagem que me vê muito à cabeça é uma imagem de cirurgia, que é quando você abre a barriga a alguém, você abre por planos e não se pode esquecer de fechar por planos também. não é Tanta capas, há capas. Quer dizer, eu aprendi com o meu colega, o meu chão Roud, que eu gostei muito e acho que fiz um filme sobre ele com o João dos Santos, que era psiquiátrico infantil e psicanalista. Eu aprendi muito que é preciso respeitar os tempos para as pessoas falarem. quer dizer, a pessoa não pode falar logo tudo na pré-consoluta Se estão sentindo-se no e depois não me quero continuar.
0:06:28 - JORGE CORREIA
Já disse tudo ou posso ter vergonha na próxima vez que vier cá? Posso ter vergonha sobretudo a promedas de vergonha. Porque não se criou uma?
0:06:33 - JOSÉ GAMEIRO
confiança Porque falei demais com uma pessoa que não conhece lá nenhum, com um estranho, com um estranho em quem confio, em quem tem referências, em quem sabe. Eu sei que não vai falar com ninguém, mas há um timing para as coisas. Iriam acontecendo. Há uma imagem curiosa eu tinha vários doentes mulheres na altura da história da Maddie, que não continuam falando de o José Fentyu E me falaram a partir daí, tiveram de tunador, tiveram de tunador e conseguiram falar de coisas dos pais, dos tibos, dos primos que tinham abusado, etc. De 23 ou 24 casas E portanto nunca meiam falado E está bom comigo há um tempo já não é. Nunca meiam falado disso.
0:07:08 - JORGE CORREIA
Portanto, é quase que deslindaram o enigma, encontrando o caminho d'água.
0:07:12 - JOSÉ GAMEIRO
Não é bem, é isso sim,