Estar doente é recordar o nosso estatuto de seres mortais.
A sensação de desamparo, medo, imprevisibilidade e necessidade de ajuda é real e verdadeira.
Quanto mais séria for a condição de saída, mais aguda é essa necessidade.
Necessidade de reparação. Física e psicológica.
TÓPICOS E TEMPOS
Escutar os Doentes (00:03:15) Como escutam os médicos os seus doentes, Fernando Leal da Costa fala sobre a importância da comunicação não verbal.
Linguagem na Comunicação Médica (00:06:34) Fernando Leal da Costa discute a importância de traduzir as informações médicas para uma linguagem compreensível e de separar o que é importante do acessório, nos relatórios médicos.
Impacto da Internet e Inteligência Artificial (00:08:09) A discussão aborda o impacto da ‘internet’ e da inteligência artificial na medicina, salientando a necessidade de orientar os doentes e o potencial tranquilizador ou inquietante destas ferramentas.
Medicina Baseada na Evidência e Inteligência Artificial (00:10:47) A medicina baseada na evidência e o debate sobre a capacidade atual das máquinas em substituir o diagnóstico humano.
Responsabilidade na Era da Inteligência Artificial (00:13:22) A discussão centra-se na responsabilidade e na confiança na era da inteligência artificial, abordando o papel do médico como mediador e a importância da confiança do doente.
Lidar com a Incerteza na Prática Médica (00:16:17) A complexidade de lidar com a incerteza na prática médica, especialmente em situações de tratamento paliativo, e a importância de ser honesto com o doente.
A Importância da Escuta Ativa (00:18:16) O médico discute a importância de mudar a conversa para assegurar que o doente seja ouvido.
Adaptação à Doença (00:19:26) O médico aborda diferentes mecanismos de adaptação dos doentes à doença, incluindo a negação e a procura por informações.
A Relação entre Pensamento Positivo e Prognóstico (00:21:19) É discutida a relação entre o pensamento positivo dos doentes e o prognóstico, especialmente em casos de cancro.
Impacto da Pandemia nos Profissionais de Saúde (00:25:56) O médico fala sobre o impacto da pandemia nos profissionais de saúde, incluindo a perda de doentes e o medo das infeções respiratórias.
Reorganização do Sistema de Saúde (00:29:22) O médico propõe uma reorganização do sistema de saúde para ampliar a resposta e assegurar acesso a qualquer médico disponível, público ou privado.
Custo do Tratamento do Cancro (00:31:53) É abordado o aumento do custo do tratamento do cancro em comparação com a eficácia do tratamento.
O Custo do Sucesso (00:32:12) Discussão sobre o aumento da procura por serviços de saúde, o fenómeno das urgências e a busca por atendimento médico.
Falta de Médicos Experientes (00:36:20) Falta de médicos mais velhos para ensinar a nova geração, consequências das decisões políticas e distribuição etária dos médicos.
Emigração de Médicos (00:38:27) Motivos da emigração de médicos portugueses para outros países da União Europeia e as condições de trabalho.
Desafios da Nova Geração (00:41:30) A menor tolerância da nova geração para más condições de trabalho e a procura por um equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Adaptação às Mudanças (00:43:53) A evolução da medicina com a introdução da tecnologia e a necessidade de tornar o sistema mais amigável para os médicos.
A Importância da Comunicação Médico-Paciente (00:44:41) Discussão sobre a vontade de conversar dos médicos mais novos e a necessidade de apoio e estímulo.
Mudanças no Sistema de Saúde (00:45:38) Reflexão sobre a dinâmica da evolução da medicina e a distribuição desigual de médicos e enfermeiros em Portugal.
Participação dos Cidadãos nas Decisões de Saúde (00:46:59) Debate sobre a voz dos cidadãos na política de saúde e a necessidade de maior inclusão e responsabilidade dos eleitos.
O Futuro da Medicina (00:50:26) Reflexão sobre a satisfação profissional enquanto médico e a expectativa de avanços tecnológicos na medicina.
Nesta edição ouço um médico com quem aprendi muitas coisas. Falei com ele ao longo da vida, e nos seus vários papeis, dezenas de vezes.
Médico, pensador da saúde pública, alto funcionário do SNS e até, secretário de estado e finalmente ministro da saúde.
Falo de Fernando Leal da Costa.
É médico especialista em hematologia e oncologia.
De forma mais direta e muito simplifica da: trata doentes com cancro no sangue.
O que significa ouvir muitos doentes, explicar coisas difíceis, saber que nunca se sabe de tudo a todo o tempo e cultivar uma relação de confiança com outros seres humanos em grande sofrimento.
É sobre esse momento quase sagrado da fala e da escuta que nos debruçamos nesta edição.
O momento da pergunta e das respostas.
Da esperança e dos limites da possibilidade humana de resgatar o outro.
Entre a compaixão e o caminho que ainda falta percorrer.
Com o diálogo necessário, delicado e negociado entre o médico e o doente.
O que quer saber tudo. O que evita saber e delega tudo.
A comunicação não inclui só palavras. Há os gestos e os não ditos.
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JC (00:00:00) - Viva. Professor Fernando Leal da Costa, médico hematologista e oncologista, tem as duas especialidades. Teve um pé também pela política e al...
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JC (00:00:00) - Viva. Professor Fernando Leal da Costa, médico hematologista e oncologista, tem as duas especialidades. Teve um pé também pela política e alguém que intervém na sociedade a refletir sobre estas coisas de saúde. Interessa muito. Para começar, é sempre uma curiosidade que eu tenho, que é como é que se escutam os doentes.
FLC (00:00:25) - Com muita atenção. Há um conjunto de mensagens que são relativamente directas e que resultam das perguntas que nós, mais ou menos, eu diria consuetudinária mente fazemos. E depois há toda uma comunicação associada, que era a forma como as coisas são ditas, que era aquilo que não é dito, a própria mímica que nos transmite um conjunto de informações muito importantes para conhecermos aquela pessoa e de alguma forma conseguirmos adaptar progressivamente a nossa mensagem a aquilo que são, por um lado, as necessidades e, por outro lado, os desejos de quem nos escuta.
JC (00:01:08) - Isso vê se logo desde o momento em que essa pessoa entra no consultório.
FLC (00:01:13) - Sim, quando já temos algum treino. A forma como a pessoa se aproxima de nós se dirige até à cadeira onde se vai sentar.
FLC (00:01:24) - O tempo que por vezes espera até decidir sentar se ou eventualmente até alguns doentes, enfim, mais tradicionais, esperarem que lhes seja indicado que se devem sentar. Tudo isso são indicações preciosas e depois a própria forma como aqueles metros são percorridos, uma vez que nós infelizmente não temos acesso a ver o doente percorrer o corredor e essa seria uma informação importante. Aqueles pequenos métodos já nos dizem muito sobre, por exemplo, a condição física da pessoa, a condição emocional e já nos prepara de alguma forma para aquilo que nós podemos. Quer em termos daquilo que são as ferramentas terapêuticas, quer em termos daquilo que são as ferramentas comunicacionais. Utilizar quer.
JC (00:02:06) - Dizer que o corpo que o nosso corpo fala.
FLC (00:02:09) - Muitíssimo. Muitíssimo. E essa é uma das partes mais importantes da medicina e sermos capazes de ler. Toda a comunicação que está associada à pessoa e que não depende estritamente da fala. As pessoas literalmente falam com o corpo e o corpo sendo observado. Transmite nos imensa informação de extrema utilidade para as decisões que temos que tomar em proveito dessa própria pessoa.
JC (00:02:36) - Quando, Quando nós estamos numa situação de fragilidade, como é o caso dos doentes e em particular doentes de cancro, onde as notícias não são boas e o início da conversa, digamos, nós, pelo menos aqueles doentes que que mais, que mais cuida? Preocupa se com no fundo com o medico. Ex. Há sempre aquela quando nós abrimos um exame médico não entendemos o que é que lá está. O doente no fundo está fragilizado, está com medo, muitas vezes naturalmente, não sabe o que é, o que lhe está a acontecer, não sabe como é que é o futuro. E depois há ali um médico que que o pode ajudar, seguramente. E então ele é a linguagem.
FLC (00:03:19) - É fundamental descodificar e traduzir para termos que sejam perceptíveis por toda a gente a informação que nós consideramos que é importante para essa pessoa. Normalmente, os relatórios dos exames têm muita informação que eventualmente até pode ser importante para o médico. Pode ser importante até como controlo de qualidade relativamente a quem lê aquilo, mas que não tem nenhum impacto clínico significativo.
FLC (00:03:49) - É um dos trabalhos que nós temos é explicar aos doentes, separar. No fundo, não diria o trigo do joio, mas aquilo que é importante do que não é importante e, ao mesmo tempo, utilizar linguagem que qualquer pessoa seja capaz de entender.
JC (00:04:01) - A ideia de conseguirmos fazer algum dia, de termos relatórios médicos para tótós pode fazer sentido ou é perigoso e perigoso.
FLC (00:04:09) - É preferível utilizar a linguagem convencional na comunicação entre médicos e depois entregar ao profissional o trabalho de descodificar essa linguagem. E é curioso que os médicos, se o fizerem bem feito, ao fim de algum tempo, assistimos aos doentes a discutirem connosco, quase que em pé de igualdade, as análises clínicas e os exames, porque nós ensinamos lhes eles saberem interpretar aquilo. Isto é extremamente importante para que o doente, ele próprio, seja capaz de fazer uma avaliação do seu, do seu estado, da sua resposta, da forma como funciona. E já.
JC (00:04:48) - Agora, tem uma curiosidade que é o Dr.