Estamos no pós-jornadas mundiais da juventude e até para um não crente é impossível não observar toda uma sequência de momentos, palavras e emoções que criaram um acontecimento único na cidade de Lisboa.
Na perspetiva da comunicação, o Papa é detentor de uma poesia muito própria na sua linguagem. Não são só as palavras. São as pausas. São os olhares.
Para os crentes há um olhar sobre a sua fé. Para os outros um olhar sobre a sua humanidade.
O Papa que fala a centenas de milhares de pessoas em Lisboa é o mesmo que falou — sem dizer uma única palavra — para uma Praça de S. Pedro vazia no tempo da pandemia.
Este aparente contraste faz-me ir recuperar uma conversa tida com José Manuel Pereira de Almeida em fins de maio de 2020, mesmo na saída de um dos confinamentos da COVID 19.
Pereira de Almeida é professor de ética, padre e médico.
E se a parte da conversa sobre a pandemia sabe, felizmente, a um tempo antigo, todas as outras palavras são de uma atualidade permanente.
Gostei em particular do momento em que partilha connosco a importância de acolher o outro, de sorrir, de ouvir.
Uma linguagem universal que ajuda a perceber uma forma de viver ao serviço dos outros.
Talvez algo ainda mais importante do que a certeza ou dúvida que sempre paira sobre a existência de deus.
Mas a curiosidade existe e vale sempre a pena fazer a pergunta “Deus Existe?”
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Transcrição automática
0:00:11 - JORGE CORREIA
sOra Viva-o. Bem-vindos à segunda edição do podcast Pregunta Simples. Depois de passar pela televisão com Clara de SouSa, é tempo de ouvir palavras que vêm do púlpito de um altar. As igrejas têm normalmente uma excelente acústica, um som característico com um ecoinimitável, mas também podem ser palavras de cátodara, de um mestre que ensina teologia na universidade, ou de um médico que sabe ler pedaços da nossa carne, chama-lhe tecidos, mas que intui o espírito das pessoas num piscar de olhos. Chama-se José Manuel Pereira de Almeida e é o convidado desta edição. É médico, é padre, é professor, mas estes são rótulos mais formais. Lá dentro tem muito mais coisas para mostrar. Conhecemos-nos numa Comissão Diética. Todos nessa Comissão sabiam muito do tema da Eética. Acheto eu.
O meu papel nessa Comissão era o de Preguntador Ignorante. Seguramente fui convidado porque nada sabia de nada. Não me dei mal na função ao longo da vida não saber nada de nada e perguntar sobre tudo. Desde esses tempos ouvi-o sempre com atenção, muito por aquilo que sabia e tanto por aquilo que dizia. Não saber ou duvidar E assumir isso só está ao alcance dos sábios ou dos mestres. Este é um podcast sobre comunicação e o convidado desta edição usa a palavra e o silêncio para comunicar. Começamos com a mais óbvia e fácil das perguntas E Deus existe.
0:01:56 - PEREIRA DE ALMEIDA
Para muitos pode ser uma pergunta, creio mesmo que para aqueles que defendem que não existe, será mesmo a pergunta da vida.
Neste tempo que é o nosso, creio que para os cristãos recebemos de Paulo VI uma e do patriarcto Atenágoras ao tempo, na visita à Jerusalém, em que ele reconhecia o texto é conjunto e editem francês, porque a língua internacional que é o Espírito Santo fala às nossas igrejas, portanto à igreja oriental e à igreja ocidental, através do ateísmo dos nossos irmãos e irmãs. E portanto, isto para dizer, se calhar, estamos todos nessa procura, alguns mais conscientes, outros menos, uns pela negação, outros pela convicção de que, a partir de uma determinada via, há uma procura de sentido que faz denominar alguém de Deus eu estou a dizer alguém, porque é a tradição cristã e que diz que Deus é pai ou mãe de todo somado, mas estamos lá no seu coração, ou seja que Deus mora no nosso coração, mas sínteme, particularmente próximo daqueles que sobre isto não sabem dizer nada. Há uma tradição importante da teologia cristã que é a teologia negativa, quer dizer que nós fazemos melhor serviço a Deus não dizendo nada do que dizendo as tontices que às vezes em algumas teologias aparece.
0:04:04 - JORGE CORREIA
Como é que é ser padre e subitamente os fiéis desapareceram da igreja. Imagine que desapareceram.
0:04:11 - PEREIRA DE ALMEIDA
Claro que desapareceram E como desaparecemos todos de todo lado. é da convivialidade e portanto para o padre, é essa da igreja vazia ou, naquela imagem tão difundida e que eu creio que atingiu a todos, falou da mesma maneira crentes e não crentes do Papa numa praça de São Pedro Vazia. É uma imagem fortíssima, digo eu.
0:04:39 - JORGE CORREIA
Como é que viu esse momento.
0:04:41 - PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, como profecia, no que diz respeito a poder comungar da dor e da aflição em tantos outros sítios diferentes, que se haviam confinados que é agora um termo que a gente também aprendeu numa intimidade não querida, numa escolha de uma closura não desejada.
E portanto, o que é um padre e uma igreja vazia é outra vez tomar a consciência de que claro que nós somos, na tradição cristã, a assembleia que é conta, não é O sujeito que reza, que escuta a palavra que é assembleia E portanto, na ausência física de uma assembleia, é perceber que eu Caristia, no caso vulgarmente diz missa, é a missa, é celebrada por todos os que estejam, quer ou não, a uma obra pequenina de Art Chardinck que é intitulada A Missa Sobre o Mundo. E a ideia de facto de retirar o aspecto consumista das missas, a vulso e a todas as horas e como se vai ao supermercado. E portanto queramos, que quer ou não, ou se quer que nós também resbalamos para estas ideias feitas que no ocidente versam as ideias do consumismo. E esta hipótese, que não nos foi proposta, que não foi escolhida por ninguém, foi também a ocasião de repararmos que há coisas que há para lá daquilo que é imediato e há relações que perduram para lá daquilo que é imediato.
0:07:07 - JORGE CORREIA
Quer dizer que, apesar das pessoas não se reunirem na comunidade nessa altura da missa, a comunidade se mantive perci, ainda que psicologicamente, a se sentir de união.
0:07:17 - PEREIRA DE ALMEIDA
Eu creio que sim, que aquela ideia do estarmos perto ainda que longe, estarmos próximos ainda que distantes, isso de resto foi facilitado porque poderia não ser exatamente ali à volta, não é De resto isso nas cidades já não estava tão à volta, assim a mobilidade.
0:07:42 - JORGE CORREIA
No Maldém a missa é uma coisa importante, em particular a ideia de ir no domingo a missa dominical ainda é uma coisa.
0:07:50 - PEREIRA DE ALMEIDA
Eu acho que ainda marca. Não é Até para aqueles que não vão e que ficam no café zinho à frente. Mas até isso faltou. Não é O cafézinho da frente da igreja.
0:08:00 - JORGE CORREIA
Se nós olhamos para aquilo que são ritos religiosos, mas estão bem muito ritos culturais. Estou a pensar nos casamentos que pararam, nos batiismos que foram adiados e nos funerais inadiáveis, mas onde não estava ninguém.
0:08:18 - PEREIRA DE ALMEIDA
Pois isso durante eu tive funerais todo esse tempo, pois está claro, e nas primeiras circunstâncias situações podiam ser Mesmo assim. Na cidade é diferente, como tu dizias, podiam ser mais penosas. Isso mudou muito a partir de miados desta temporada, quando se disse não há limite para os familiares. E claro que nas famílias grandes o limite depois dizia respeito a. De cada um. Depois há a circunstância objetiva do espaço, mas Como eram esses funerais sem pessoas?
Com quatro pessoas. Sim, pessoas, sim eram, podiam ser. Eu tive boas experiências, mas acho que outras circunstâncias não foram boas experiências, sobretudo aquelas em que vivem o afeto muito à flor da pele. Não é Porque não há abraços, não há Tanto, foi tudo muito sóbrio nós aqui, se calhar, já somos mais sóbrios do que em outras bandez do mundo e portanto acabava por ser uma dor muito vivida. Sem partilha não é, e portanto sem o espaço do acompanhamento humano que torna mais humana a dor ou eventualmente vivível.
0:09:47 - JORGE CORREIA
Qual é a importância do toque nesses momentos?
0:09:51 - PEREIRA DE ALMEIDA
Pois é, é tanto e nesta altura nada e mais. E a expressão com a máscara a expressão também muda muito e portanto a gente só vê os olhos e não sabe nada o que é que se passa abaixo. Às vezes os olhos falam, mas não dizem tudo.
0:10:08 - JORGE CORREIA
E o poder da palavra, alguém com a experiência que tem com enfim, com muitos anos a acompanhar comunidades e nesses momentos hora de grande felicidade, como o caso dos casamentos ou batismos, hora de grande tristeza e luto, como um funeral de um entre querido Como é que escolha as palavras? Prepara-se para isso, pensa sobre isso, escreve sobre isso, ou é um ato natural e de empatia nesta conversa?
0:10:43 - PEREIRA DE ALMEIDA
Eu diria que a gente sim, que arreza sobre isso, e durante muito tempo, e continua a ser um desafio no geral. Para as coisas importantes, que é de alegria, que é de tristeza, as palavras nunca chegam e portanto nós temos as palavras que dizem na tradição cristã, a palavra que é o próprio Jesus. Portanto a gente espera que de alguma maneira isso passe através dos nossos pobres termos e dos gestos, que aqui são mais austeres depois e que a pouco e pouco, como as pessoas também conhecem a palavra e são essa que Deus, nos dirijem, jesus, que viveu uma vida humana até ao fim, não excluindo o sofrimento e a morte, podem elas próprias anunciar-nos essa mesma palavra, ou seja. Acreditamos que não há uma comunicação única, quer dizer, as pessoas não são únicamente destinatárias, eles também são protagonistas, são habitados por mesma palavra e podem, na melhor das hipóteses, evangelizar os padres.
0:12:09 - JORGE CORREIA
Então há um diálogo entre as pessoas.
0:12:12 - PEREIRA DE ALMEIDA
Sim, mesmo quando não é dito.
0:12:15 - JORGE CORREIA
Ocorre-se-me agora provavelmente dos diálogos mais íntimos que pode ter tido a questão do confecionário formalmente num confecionário, mas seguramente há muitas conversas, assim como esta,