Os tempos não estão fáceis.
Há uma sensação permanente de imprevisibilidade.
Não sentem isso?
O terrível sentimento de que não controlamos nada.
Nada de nada.
Em bom rigor sabemos que a incerteza é a única regra que vale na existência.
Mas ter a certeza da incerteza pesa na nossa cabeça.
E a saúde mental está ficar com umas valentes nódoas negras.
A pandemia está a passar a fatura.
Mais a guerra, a inflação, os juros, o preço das casas, a metrologia louca.
Vivemos uma espécie de efervescência. Uma espécie de jogo de forças que nos desgasta a cada passo.
É esse moer do dia a dia que aproveita todas as entradas da nossa vulnerabilidade.
Sobra a ansiedade, o sono turbulento, as depressões escondidas para não se notar no emprego ou entre os amigos.
O que fazemos para contrariar isto?
Vou em busca de respostas com Francisco Miranda Rodrigues. Psicólogo. Atual bastonário dos psicólogos.
É uma conversa carregada de labirintos, sombras e luzes.
Das organizações e as suas lideranças.
Das pessoas e das suas dores e ressurreições de alma.
Falámos de profissionais à beira de um ataque de nervos. E de como será difícil curar esta gigante ferida social.
Pedir auxílio no tempo certo é porventura um dos mais sensatos conselhos que podemos receber.
Sim, elas podem não matar, mas moem.
E enquanto na dor física é tido como normal ir à procura de ajuda, nas dores emocionais o caminho é menos direto.
Ora porque desvalorizamos. Ora porque não nos levam a sério.
E algumas destas pessoas em sofrimento podem escolher um caminho mais radical.
Lemos nas redes sociais que se suicidaram, que descompassaram e atacaram alguém ou simplesmente fecham-se numa concha escura de desesperança e ruidoso silencio.
Vale estar atento e apoiar o que nos rodeiam. Se suspeitarem que alguém tem a mente a doer, fiquem de olho, liguem os ouvidos e estendam a mão.
Resumo dos Capítulos (TIMESTAMPS):
Capítulo 1
[00:02:14] Saúde mental na pandemia A pandemia trouxe consigo uma onda de incertezas, que levou a um aumento expressivo dos casos de ansiedade e depressão.
[00:07:14] Francisco Miranda Rodrigues, psicólogo e Bastonário dos Psicólogos, nos guia através desta realidade alarmante.
Capítulo 2
[00:12:14] Incerteza e medo Com a constante mudança da situação global, os meios de comunicação desempenham um papel crucial na disseminação de informações.
[00:17:14] No entanto, a incerteza e o medo que acompanham as constantes atualizações podem ser prejudiciais para a nossa saúde mental.
Capítulo 3
[00:22:14] Mobilização em tempos de crise Como a sociedade se mobiliza durante uma crise?
[00:27:14] O aumento de teorias da conspiração
[00:32:14] está se tornando uma preocupação cada vez maior.
[00:37:14] A capacidade de discernir entre informações verídicas e falsas é essencial.
[00:42:14] Especialistas estão a trabalhar incansavelmente para combater a desinformação.
[00:47:14] Uma abordagem proativa e informada é vital para a nossa saúde mental e bem-estar durante estes tempos incertos.
LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO
0:00:00 - JORGE CORREIA FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES psicólogo agora na função no papel de bastonário dos psicólogos.
É um especialista em psicologia do trabalho, em psicologia social e das organizações e bem precisamos Francisco. Como é que está a nossa saúde mental? É?
0:01:47 - FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES pergunta clássica a saúde mental no geral dos portugueses, como a de muitos outros cidadãos de outros países, ficou agravada depois da pandemia que passamos?
0:02:08 - JORGE CORREIA o que é que nos fez a pandemia.
0:02:10 - FRANCISCO MIRANDA RODRIGUES pandemia colocou nos desafios com os quais nós não nos deparávamos. Provavelmente muitos de nós nunca nos tínhamos deparado, mesmo alguns, alguns, se calhar já mais velhos, se calhar terem tido alguns outros desafios semelhantes ou pelo menos semelhantes na grandeza de desafio. E nós somos uns seres que não nos damos assim tão bem quanto isso com a incerteza e portanto gostamos muito de poder saber o que é que vai acontecer e dar isso como garantido, mesmo que não seja nada garantido.
0:02:51 - JORGE CORREIA Se nós virmos isso como garantido, ficamos segados dar-nos um conforto se alguém nos disser lá está a frase, vai tudo correr bem que é uma promessa desgraçada é uma promessa desgraçada.
0:03:06 - FRANCISCO MIRANDA RODRIGUESEntende-se que nos primeiros momentos tenha havido uma tentação de o fazer. Como é evidente, não era fácil para quem tinha que lidar com uma gestão à escala global e à escala do país, e portanto é natural. Mas para a pandemia, claramente, que começa logo pela questão de incerteza, começa pela questão dos riscos associados, os primeiros que eles têm que ver com a própria saúde física e com a sobrevivência, e havia imagens muito impactantes disso e portanto não era uma coisa das nossas cabeças, não estávamos a inventar nada, havia riscos não pensando à distância.
0:03:45 - JORGE CORREIA Essa fórmula de comunicação, essas imagens fizeram-nos bem ou fizeram-nos mal mostrar aquela realidade, mostrar no fundo as ambulâncias à porta dos hospitais, as pessoas ligadas nos ventiladores dentro do hospital isto é certamente um objetivo na altura de preparar as autoridades de saúde, e esse objetivo tinha que ver com nós.
0:04:11 - FRANCISCO MIRANDA RODRIGUESEstamos parando de tomar ameaça séria, vamos ter que tomar medidas drásticas, que provavelmente ninguém que está a viver entre nós teve que lidar com elas, e nós sabemos que para conseguirmos mobilizar pessoas de uma forma coletiva, ainda por cima sem muitas possibilidades de resistência, e que pudesse ser feita rapidamente. O medo é uma emoção importante. E aquelas imagens e eu não estou com isto a afirmar que as imagens foram passadas com qualquer tipo de objetivo, acho que as imagens foram passadas porque a comunicação social relatava que estava a passar, porque existiam, existiam mais nada. Mas se quisessemos ter esse tipo de objetivo, necessariamente o medo ajuda. O medo é uma emoção muito protetora, uma emoção muito importante para nos mobilizar para a ação, mesmo que a ação seja ficar em casa, mas é uma ação e nós vamos fazer mesmo isto na minha cabeça apareceu aqui uma associação livre.
0:05:36 - JORGE CORREIA Os psicólogos gostam das associações livres. Que apareceu a palavra não gostam da associação livre, alguns gostam, alguns gostam das associações livres. Não a por ser uma palavra manipulação, foi uma forma de manipulação social é como lhe disse.
0:05:52 - FRANCISCO MIRANDA RODRIGUESEu não sei se foi porque, não sei se essas imagens foram utilizadas propositadamente com esse sentido. Se poderiam ter sido, poderiam ter sido. Mas parece-me outra coisa mais importante, porque a minha ser real não era inventada.
E só isso já nos dá um princípio de realidade, sim, sim, e acho que nós às vezes esquecemos disso, porque às vezes e outra coisa que foi muito comum durante a pandemia foi o crescimento das tirias da conspiração, e o medo também, infelizmente, tem a sua trolata, também também pode ser um municiador, criar o terreno ideal para que as tirias da conspiração floreçam. Porque nós precisamos lá está, nós precisamos de certezas, mesmo que as certezas sejam ficções, mas se forem certezas, muitos de nós têm a necessidade de se agarrar imensa a elas. E na verdade, sabe-se que, embora todos nós possamos cair em desinformação, todos nós podemos acreditar em fake news, todos nós podemos acreditar em algumas teorias da conspiração, inclusivemente Adiz. Isso não é uma coisa dos ignorantes, não é uma coisa das pessoas que têm problemas da saúde mental.
0:07:18 - JORGE CORREIA Tem alguma tese para tentar explicar por que é que nós temos essa apetência de comprar essas fantasias?
0:07:27 - FRANCISCO MIRANDA RODRIGUESQuer dizer, não tenho uma tese minha, mas a ciência psicológica estuda isso há bastantes anos e portanto há de facto investigação que nos traz aqui o que é o conhecimento sobre porque que as pessoas têm essa necessidade ou porque que algumas pessoas são mais vulneráveis. Inclusivemente sente que essas algumas pessoas que são mais vulneráveis não são por natureza mais vulneráveis. São mais vulneráveis em determinadas circunstâncias. São mais vulneráveis quando estão em determinadas condições e depois existe alguma confluência. Também existem algumas variáveis, alguns estudos que demonstram que certo tipo de traço de personalidade também podem, na conjunção com o contexto, podem ajudar a que algumas pessoas acreditem mais facilmente a interés da conspiração do que do que outras.
Mas basicamente o que nós fazemos é era o que dizia nós temos uma necessidade de ter certezas e portanto não interessa se essas certezas são verdadeiras ou não. Isso é uma confusão da nossa parte, porque nós associamos a certeza e a segurança. É como se fizessemos uma associação automática que contamos a falar em certeza e segurança e significa qualquer coisa que é verdade, que é um facto. Mas isso é um jumping no conclujante, porque na verdade nós podemos ter certezas sobre mentiras. Não há nenhuma obrigação de só termos certezas sobre verdadeiras.
Ninguém nos é em pé de acertizar de uma boa mentira. E portanto o essencial de tudo é nós deficarmos tranquilos que a história que justifica qualquer coisa é esta Porque, rapaz, no caso de pandemias, nós estamos a falar de agentes patogênicos que nós não vemos, que muitas das pessoas até nem compreendem muito bem como é que ele funciona, como é que é possível. É algo que nos cria uma sensação de insegurança, tal ordem que é muito mais fácil de nós lidarmos com isso para algumas das pessoas. É muito mais fácil de nós lidarmos com isso se nós criarmos uma história que justifica tudo isto e que nos permite atribuir um significado ao que está a acontecer, mesmo que esse significado seja um significado perturbador,