Até que a morte nos separe (21): Esquecimento e perdão
Nossos conceitos e preconceitos podem estar mais arraigados dentro de nós do que pensamos. Não são poucas as vezes em que valorizamos nossas ideias de modo tal que chegamos a julgá-las como tão certas quanto a própria Palavra de Deus. Havendo ainda a possiblidade de acharmos que os princípios estabelecidos pela sabedoria popular ou pelo senso comum fazem parte das Sagradas Escrituras.
Bárbara cria piamente ser possível defender biblicamente que não é possível perdoar sem esquecer. Em sua defesa, ela citou Jeremias 31:34, onde Deus declara: “Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei.” Ela poderia também lembrar-se de Isaías 43:25 que diz: “Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim e dos teus pecados não me lembro.”
Nesse exemplo, podemos observar um equívoco relativamente comum entre pessoas que procuram fundamentar um pensamento ou doutrina a partir de versículos bíblicos isolados, sem levar em conta o contexto da passagem que estão usando. Bárbara estava deixando de perceber o real significado do verbo “lembrar” nas passagens citadas. Na realidade, o SENHOR não está dizendo que, quando Ele nos perdoa, esquece literalmente as nossas transgressões. Sendo um Deus onisciente, podemos estar certos de que Deus não se esquece de nada. Ele conserva no Seu conhecimento todas as nossas iniquidades. Apesar disso, Ele não as traz à superfície tais iniquidades, não as lança em rosto, nem retém sobre nós a culpa pelo pecado perdoado. É, nesse sentido, que Deus esquece os nossos pecados. Ele não cobra a dívida que perdoou, não tenta amarrar o que liberou. Como o Pai amoroso na parábola do filho pródigo, Ele sabe muito bem a profundidade da dor que Lhe causamos, no entanto, quando retornamos, Ele nos recebe, cancela nossa dívida e fica disponível para lidar com as consequências das nossas transgressões. O fato de que a memória não se apaga não diminui o perdão que damos ou recebemos, mas o torna ainda mais sublime. Deus me perdoou e continua mantendo Sua benevolência sobre mim, apesar de saber perfeitamente quem eu sou e o que fiz. E Ele faz isso de modo tão completo e irrevogável que podemos propriamente dizer que, em certo sentido, Ele esquece o nosso pecado.
Chegando ao entendimento de que poderia e deveria perdoar, apesar das lembranças, Bárbara perguntou: “Como, então, lidar com as memórias?” Respondi-lhe, levando-a ao capítulo 18 do Evangelho de Mateus. Ali, o SENHOR nos ensina como tratar um irmão que peca contra nós. Quando Jesus concluiu Seu ensinamento, Pedro perguntou: “Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?” (Mateus 18.21). A resposta de Jesus foi surpreendente e inesquecível: “Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mateus 18.22). Embora, muitas vezes, interpretemos essas palavras de Jesus como uma forma figurada de enfatizar a continuidade do perdão, dependendo da natureza do pecado e da extensão do dano, quando resolvemos seguir pelo caminho do perdão, por causa das lembranças do que sofremos, inúmeras vezes, precisaremos deliberadamente manter a decisão de que o outro está realmente perdoado. É uma luta particular, mas real. E, desse modo, quando as lembranças se acendem, renovando dentro de nós um turbilhão incontrolável de emoções, paramos e repetimos diante de Deus: “Está perdoado.” Quantas vezes isso vai acontecer? Só Deus sabe com exatidão, contudo não nos surpreenderemos se for até mais de setenta vezes sete.
“Bárbara, ao manter Deus a ofensa em nossa memória, Ele nos dá o privilégio de podermos perdoar do modo como somos perdoados por Ele. Então, tome a seguinte decisão: Quando as lembranças doloridas do pecado a assaltarem, pare imediatamente, reafirme diante de Deus seu compromisso de perdão e agradeça ao SENHOR porque Ele faz isso com você todo o tempo, numa cifra que vai para muito além de setenta vezes sete.”