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Meditações no Evangelho de João (18): Quando a tradição aprisiona o coração

A tradição é parte do que somos. Porém, assim como somos por ela identificados, por ela, também, podemos ser aprisionados. O modo como a tradição afeta nossa percepção da verdade é um dos temas tratados no Evangelho de João. Nesse Evangelho, os maiores opoentes de Jesus são os religiosos de Israel, zelosos das tradições judaicas. Tristemente, os judeus defensores da tradição conviviam bem com o engano religioso e a distorção da Palavra de Deus. Contudo se levantavam com todas as suas forças para defender aquilo que lhes fora ensinado por seus antigos mestres. 

Em João, capítulo 5, temos o relato da espetacular cura de um paralítico junto ao tanque de Betesda. Foi um sinal incrível que falava muito acerca da identidade divina de Jesus. Afinal, um homem que era paralítico há trinta e oito anos foi curado pelo poder da palavra de Jesus. Para os religiosos judeus, no entanto, o milagre perdeu seu brilho e valor porque fora feito em um dia de sábado.

A tradição em torno da guarda do sábado era muito importante para os líderes religiosos de Israel. Como sabemos, a ordem de guardar o sábado foi dada como um sinal a Israel na época de Moisés. Antes de Moisés, o sétimo dia aparece no relato da criação como o dia que Deus abençoou e santificou, para servir como lembrança de que Deus era o Autor da criação. Mas, até a época de Moisés, não vemos, na Escritura, nenhum mandamento explícito para que o sábado fosse o dia a ser observado como único propício à adoração. Nem Noé, nem Abraão, nem nenhum dos outros patriarcas de Israel tinham o costume de guardar o sábado. O mesmo vai acontecer depois da ressurreição de Cristo, quando se inicia uma nova era na história da salvação, cujo marco visível é a descida do Espírito Santo, marco inicial da igreja de Cristo, o novo povo de Deus. Desde essa época, conforme lemos no texto inspirado do Novo Testamento, o sábado continuou importante na tradição de Israel, mas os cristãos, por causa da ressurreição de Cristo, passaram a adorar a Deus no domingo, o primeiro dia da semana. O sábado mantém seu valor ligado à velha criação, enquanto o domingo passou a ser o dia para celebrarmos a nova criação inaugurada pela ressurreição do Redentor e continuada pelo novo nascimento dado aos que creem em Cristo. 

A revelação escriturística, desde o Gênesis, antecipava a vinda do Messias, quando seria inaugurada uma nova era no plano de redenção do pecador. Jesus Cristo viria como o divisor de águas, a fim de traçar a linha definitiva, o antes e o depois de Cristo. Todavia, para os judeus, as promessas da novidade da salvação que Deus lhe enviara por meio do Messias não lhes agradava, porque isso lhes custaria abandonar a tradição que lhes fora passada. Eles se diziam seguidores de Moisés, mas, na realidade, seguiam as interpretações tendenciosas da Lei, elaboradas pelos sacerdotes e rabinos. Essa tradição humana originária nos quatrocentos anos que fazem separação entre o Velho e o Novo Testamento, na verdade, distorcia a própria Lei de Moisés por meio de manobras e raciocínios enganosos. Por essa razão, Jesus repreendeu os fariseus, dizendo: “Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição” (Marcos 7.9). 

Os nossos antepassados são parte integrante da história. Por isso devemos reconhecê-los e honrá-los. Entretanto, quando estamos lidando com a verdade acerca da nossa comunhão com Deus e da salvação eterna, devemos reconhecer que o Pai do Céu tem precedência sobre os pais da terra. Não é sábio seguir cegamente a tradição, simplesmente porque estamos imitando os nossos pais. De acordo com Romanos 14:12, “cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus.” Aproveitemos, portanto, os benefícios das tradições, contudo não deixemos que ela aprisione o nosso coração.