Recentemente, múmias de monges foram descobertas em templos budistas, dentro de estátuas e até mesmo em uma casa, resultado de roubo. Essas múmias, encontradas na posição de lótus, são consideradas especiais por seus correligionários. Acreditam que esses monges não estão mortos, mas sim em um estado avançado de meditação chamado “tukdam”. Indicado para 14 anos ou mais.
Contos Narrados. Aqui você encontra mais um conto sonorizado produzido pelo do RPG Next.
Coloque seu fone de ouvido e curta!
▬ Autor:
Vinicius Mendes Souza Carneiro.
▬ Narração:
Brendo Santos.
▬ Masterização, sonorização e edição:
Rafael 47.
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Contos Narrados apresenta, “Tukdam", um Conto de Suspense.
“Tudo o que vemos ou parecemos, não passa de um sonho dentro de um sonho.” – Edgard Allan Poe
A história que vou lhes contar remonta a outra antes daquilo que testemunhei. Diz a lenda que Sidarta Gautama foi o primeiro Buda, aquele que alcançou o estado de iluminação máximo, meditando abaixo de uma árvore após aceitar arroz e leite das mãos de uma donzela. Muitos buscaram o mesmo estado encontrado por ele, e alguns morreram tentando. Iniciado no Nepal, o Budismo se espalhou pelo mundo.
De um tempo para cá foram encontrados em templos budistas, dentro de estátuas e também em uma casa – produto de roubo neste último caso – alguns monges mumificados em posição de lótus (sentado de pernas cruzadas e mãos descansando sobre os joelhos, os dedos indicador e polegar se tocando), meditando. Fato seja dito, essas múmias são muito especiais para seus correligionários, julgam que não estão mortas, mas em um estado avançado de meditação chamado de tukdam.
Três semanas meditando seria o necessário. É raro, mas no último século foram registrados algo em torno de 40 casos. É desnecessário dizer que para a medicina moderna, aqueles monges estão mortos. Alguns jaziam entre couro de animais já por muitos anos, 100, talvez até 200 ou 300 anos, o que proporcionou as condições ideais para o processo de mumificação.
É nesse contexto que começa minha lamúria, aquilo que vou lhes narrar foi tão estranho e severo que nada pelo qual passei e muito possivelmente pelo que tenham passado ao longo de suas vidas seja parecido. Assim como existem situações nas quais o bem nos fortalece com milagres rotineiros, acredito que o desconhecido também possa nos mostrar nossa resumida insignificância, e qual terror maior para o homem, que tem em si o complexo de Deus, do que descobrir tal fato?
Era julho, mês das chuvas intensas, alagamentos e doenças respiratórias. São Paulo, como uma cidade superlotada e poluída, nunca foi gentil ao tratar a saúde de seus habitantes. Por outro lado, como todo bom paulista, eu gostava dessa época do ano a despeito dos transtornos oferecidos. Não nego, entretanto, como a falta de planejamento urbano interferiu na estrutura local, rios canalizados, várzeas invadidas e impermeabilização do solo provocam anualmente um sem número de transtornos e alagamentos.
Nesse período conturbado chegou a carga, vinda do Nepal à exposição, a qual mostraria para o mundo a cultura e a história do budismo. Os itens foram expostos no museu do Ipiranga, provavelmente o mais bonito dos museus paulistas. O prédio foi inaugurado em 1895, localizado no Parque do Ipiranga, que na prática funciona como um grande jardim à frente da estrutura, seguindo a arquitetura neorrenascentista, que se inspirava no renascentismo, tornando o prédio em si bonito e imponente.
Nela existiam muitos itens interessantes, desde roupas utilizadas pelo primeiro Buda, tapetes, rolos de escritos antigos e até mesmo uma múmia de trezentos anos de idade, era o que diziam. A primeira impressão que tive ao visitar a exposição em sua inauguração foi de antiguidade, algo reverente e antigo, mas não só isso, senti também ali uma sabedoria profunda e uma história de reflexão.
— Está vendo que legal, Geraldo? – era minha esposa Letícia.
— Não sou cego, Letícia…
— Né não, mas é um pedaço de cavalo.
Meu dia tinha sido um daqueles em que você acorda com o pé esquerdo, sabe? Eu achava, até naquele momento que foi um dia ruim, hoje já penso ter sido um dia ótimo, ainda assim estava ranzinza, o “seu Saraiva” em pessoa naquele instante.
— Você não queria vir? Vai dizer que agora se arrependeu? – ela era sempre assim, quando me via nervoso tratava de falar bastante.
— Meu amor… deixa isso pra lá, eu tô gostando sim, ok? Meu nervoso não é contigo…
Passamos então pela múmia e paramos para observá-la. Aquele corpo ressequido em posição de lótus eterna, a pele marrom enrugada, os braços esqueléticos, os olhos fechados, era tudo demais para mim. Como alguém poderia chegar naquela situação era uma completa incógnita para meu cérebro pouco concentrado.
— Parece que ele morreu tranquilo, né, bem?
— Sim, meu amor…
A observação dela era verdadeira, não havia sofrimento ali, mas sim uma profunda devoção. Aquilo me deixava admirado e ao mesmo tempo assustado. Voltamos para casa conversando profundamente sobre a exposição, imaginando o que poderia ter acontecido com cada peça e principalmente impressionados com o monge, afinal, era algo fora de nossa cultura e realidade.
Estimulado pelo fato, mais tarde fui ler sobre a religião e como ela pode mudar o corpo e a mente de alguém. Existem muitos relatos interessantes sobre o tema, alguns sobre monges no estado de tukdam, outros sobre pessoas capazes de resistir ao frio, a dor, e, até curas milagrosas engendradas por uma fé muito forte. Aquilo me fascinava e ao mesmo tempo assustava, pois a fé não move montanhas, mas pode mover uma nação inteira e a maior parte da humanidade compartilha de alguma porção dessa força imponente.
Engraçado como o tempo passa depressa quando fazemos algo que nos interessa, não percebi o dia passar e ao fim dele, já pelas oito da noite, minha esposa invadiu o escritório:
— Geraldo, meu amor, tu vai comer computador, é? Tá aí desde a tarde, meu filho, vamos para a sala tomar café.
Letícia era assim, cuidadosa e atenciosa, o que outros não sabiam é que naquela fala havia um aviso velado: eu havia passado muito tempo longe dela, naquele momento desejava companhia e contrariá-la não levaria a lucro algum. Sorrindo me levantei e a beijei.
— Obrigado por me chamar, meu amor, fiquei entretido com uma pesquisa.
— Todo investigador é assim, lerdo? — falou rindo.
Comemos, namoramos e assistimos séries juntos, então lá para as 22h resolvemos deitar. Uma hora depois tudo começou. O celular tocou vibrando em cima da mesa de cabeceira e me deu um susto, apanhei o cabo da minha arma embaixo do travesseiro pensando ser uma invasão, foi quando me dei conta do aparelho.
— Alô?
— Geraldo? Recebemos um chamado do museu, tem algo de errado acontecendo lá, preciso de você pronto e a caminho agora.
— Moreira? Tá, tá certo, estou a caminho.
Sou investigador da polícia federal, normalmente não me meteria com uma situação de linha de frente como essas, mas pra Moreira ter me ligado a coisa era séria. Não podíamos perder de vista também que a exposição era internacional, os bens ali constantes eram inestimáveis e deveriam ser resguardados. Saltei da cama e comecei a me vestir.
— Ohhhh! Vai ter que sair, fofuxo?
— Vou, amor, tem algo de errado no museu.
— No museu?
— Sim, Moreira me chamou, deve ser sério.
— Vai com cuidado, por favor, meu amor…
— Eu vou, tenho você para ver quando voltar!
— Te amo!
— Também te amo! — beijei-a e saí.
Me perguntava que tipo de emergência seria pra minha supervisora ter me chamado, com certeza não era algo comum. Fui reflexivo durante todo o percurso, tateando a arma no coldre e por algum motivo a tensão me dominara, todos os meus instintos estavam em alerta. Aquele trajeto, meu corpo alertava, poderia me levar à morte.
Cheguei no museu e já haviam dez viaturas paradas em volta dele. Me aproximei do centro do cerco e me encontrei com Moreira:
— Ei, não sabia que aqui era ponto de mulher feia, alguém me arruma uma cerveja aí!
— Vai tomar no seu cu, Geraldo. Não tá vendo que a porra tá séria aqui e vem com piadinha? — Apesar da resposta sua expressão era suave.
— Quanta agressividade! — Sorri – O que aconteceu?
— Recebemos um alerta do alarme do museu, quando chegamos aqui os seguranças estavam todos do lado de fora, apenas um conseguia falar, os outros estavam em choque.
— Interrogaram-no?
— Sim… mas deixamos pra você fazer de novo, afinal, o especialista em detectar mentiras aqui não sou eu.
— Quer um suquinho de maracujá pra se acalmar?
— Vai se foder, Geraldo.
— Adoro quando consigo te irritar. — Ri.
— Venha por aqui.
Um carro da tropa de choque estava estacionado com os policiais do esquadrão parados em linha na sua frente. Dentro da van havia alguns bancos e neles estavam os seguranças à espera de uma ambulância.
— Pedro! Venha cá. — falou Moreira.
Um homem alto se levantou, era forte como um touro, a pele refletia a luz reforçando o tom ébano, veio sério. Parecia um agente de segurança experiente, um ladrãozinho certamente não acharia passagem fácil por ele.
— Conte o que aconteceu lá.
— É do diabo, delegada… aquilo que tá lá não é gente e eu não entro naquele museu mais, não.
— Só quero que explique o que viu.
— Não sei explicar, só sei que num momento aquela múmia tava lá, seca, e no outro não. Sei que o Francisco ficou lá, que não correu, isso eu sei também.
— Vocês não voltaram pra conferir nada? — perguntei.
— Não, senhor, um uivo horrível saiu de lá… era Chico, tenho certeza… sentimos tanto medo que não conseguimos voltar.
Olhei para Moreira e percebi seu olhar de pena por aquele homem.